Desde maio eu voltei a trabalhar na creche e passei a prestar serviço para a prefeitura de Recife como professora de uma escola municipal na qual leciono História, História do Recife e Ensino Religioso. Em síntese: tenho tido dias longos, loucos, meio improváveis, as vezes sinto um dia se tornar uma vida inteira...
Hoje comecei a vida com crianças de três anos, livros infantis, massa de modelar, papas, melancias, banhos, colchões, lençóis, almoço - "Se não comer não ganha suco!" -, higiene bucal, sono, para eles e elas, para mim não...
Depois que eles e elas dormiram eu corri para cima de moto rumo ao mundo do sexto ano com a pré-história e pinturas rupestres no Parque Nacional da Serra da Capivara; das demandas dos adolescentes agitados, indisciplinados, agressivos, carentes de tudo do sétimo ano e da arte de tentar equilibrar todos os conflitos para falar da Idade Média antes que o sinal toque para o intervalo; e dos dois nonos anos onde todos os habitantes da América Pré-colombiana parecem olhar para mim esperando com a paciência única dos mortos para ver como faço para resolver o alvoroço dos alunos, a forma como a sala está de cabeça para baixo e ainda assim encontrar tempo para falar sobre eles.
Não, um dia não é uma vida, o dia é mil vidas. A minha, a dos alunos e a de todos os mortos que precisam ser invocados nas aulas de história!
Enfim, depois de tudo, quando finalmente comecei a trilhar o caminho que me traz de volta para casa eu encontrei com várias fogueiras acesas. Amanhã é dia de São Pedro e aqui, nos bairros de subúrbio do Recife, essa tradição persiste. A frente de uma casa a folgueira já estava com o fogo alto dançando no ritmo do vento de cidade litorânea, em outra uma criança soltava bombinhas, mais a frente havia pessoas bebendo algo alcoílico e comendo comida de milho... e tantas outras cenas...
Me ocorreu que acontecia algo como uma "noite de S. João para além do muro do meu quintal" e "do lado de cá" estava "eu sem noite de S. João" contando apenas "com uma sombra de luz de fogueiras na noite, um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos e um grito casual de quem não sabe que eu existo".
Ando meio melancólica por esses dias, tentei omitir isso desse espaço, afinal um diário/blog é feito de memória e esquecimento e sempre se pode esquecer de momentos tristes... Mas, em perspectiva eu sinto que vou gostar de lembrar dessa noite melancólica noite de São Pedro e da poesia de Fernando Pessoa que o Vitor Ramil musicou tão lindamente. Deixo aqui o registro do momento, do poema e da música.
Noite de S. João
Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.
Alberto Caeiro, In: "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa