Realmente, nós podemos até nos enganar em relação a isso, mas o Brasil não é um país de leitores e não, fazer comercial na TV aberta incentivando a leitura e derivativos ou mostrar um personagem apático de novela das oito lendo não pode ser classificado como um esforço no sentido de tornar o "Brasil um país de leitores".
Se o que eu disse no paragrafo acima se confirma ou não eu não sei ao certo, mas nesse momento, enquanto olho para o livro maravilhoso que achei no lixo sendo castigado pela chuva é o que sinto, é o que penso.
Em setembro do ano passado na Abertura da Bienal do livro do Rio de Janeiro a ministra da Cultura Ana de Hollanda disse: "Neste ano não teremos mais nenhum município no Brasil sem biblioteca." Obviamente esta foi uma promessa vazia e eu aposto que nas listas das prioridades municipais Brasil a fora não consta bibliotecas e mesmo que constasse é preciso muito mais que um livro na mão para se construir um leitor e esse livro jogado na rua é uma prova cabal disso...
Putz e nem pense que jogaram fora um livro feio ou desconjuntado: "A caligrafia de Dona Sofia" é um livro lindo, com uma história fascinante, ricamente ilustrado cujo tema é justamente o florescer do amor a poesia.
Na história de Andre Neves, Dona Sofia é uma professora aposentada que mora no alto de uma colina. Ela é tão apaixonada por poesia que esse amor transborda e leva ela a escrever poesias pelas paredes, cortinas, portas, chão... todos os cantos de sua casa e de sua vida são cobertos de poesia...
E insatisfeita por ter sua vida tão cheia seu amor transborda mais ainda e ela começa a escrever cartas para as pessoas da cidade com poesias dos mais variados autores do mundo.
Nessa tarefa dona Sofia conta com a ajuda de seu amigo o carteiro Seu Ananias, que até gosta de ler, mas tem uma caligrafia sofrível. Um dia até o seu Ananias, que entrega cartas a tantos anos e nunca recebeu nenhuma, recebe uma poesia e isso muda a vida dele, ou melhor a visão que ele tem da vida de forma linda e lirica.
E os dois se tornam ainda mais companheiros no trabalho de espalhar a poesia por todos os cantos possíveis e imaginados da cidade...
E os dois se tornam ainda mais companheiros no trabalho de espalhar a poesia por todos os cantos possíveis e imaginados da cidade...
Não só pela história, mas pela forma como o livro foi construído quem tem "A caligrafia de Dona Sofia" nas mãos se sente de porte de uma obra de arte rica... Todas as páginas são repletas de versos, tudo nele respira lirismo em linguagem simples e acessível a todas as idades... Os personagens tem um ar divertido e tudo caminha para a construção de uma cidade melhor através do aprendizado da leitura da poesia.
Chega a ser irônico perceber que justamente esse livro foi jogado fora... Ai é que nós percebemos que estamos mergulhados em uma cultura que não valoriza a palavra escrita ou o conhecimento como forma de melhorar a qualidade de vida. As pessoas independente de sua posição social não pensam que ser um leitor é primordial para seu sucesso como ser humano.
Me parece que no Brasil as pessoas acham que "gostar de ler" é apenas a cereja do sorvete, um detalhe bonitinho, mas nem um pouco fundamental para a sobrevivência. A leitura é um enfeite que alguns podem se dar ao luxo de ter e outros não... O importante é ter grana não livros...
Me parece que há algo definitivamente errado nessa forma de se perceber as coisas, ao mesmo tempo eu me pergunto se é possível mudar isso... Bem, os meus manuais de história e antropologia dizem que a cultura, esse teia de significados nas quais estamos presos, não é algo natural. Tudo na teia é uma construção histórica e tudo o que foi construído pode ser desconstruído...
Tenhamos fé... Quem sabe dentro dos próximos anos nós possamos construir através de nossas práticas um país no qual as pessoas compreendam o valor da leitura não apenas como uma cereja, mas como a massa do bolo.