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domingo, 21 de junho de 2015

Volume 1 de "Os miseráveis": Fantine

Honestamente, preferia não comentar "Os miseráveis". Apenas o exercício de ler o livro em si já é doloroso, escrever então é sofrível. Chego a me contorcer contemplando a página em branco, maaaasss faz parte das regras do jogo, ou do "Projeto Victor Hugo" escrever sobre a leitura e cá estou eu. O livro é dividido em 5 volumes, os quais são: Volume I: Fantine; Volume II: Cosette; Volume III: Marius; Volume IV: Idílio da Rua Plumet e epopeia da Rua Saint-Denis; Volume V: Jean Valjean. Como o titulo do post anuncia, aqui vou falar sobre o vol. 1 "Fantine".

Segundo consta Victor Hugo levou 40 anos para escrever esse livro e se ele escreveu sem pressa é melhor ler sem pressa também. Como o livro já tem lá seus 153 anos é fato publico e notório ser a trajetória de Jean Valjean o coração da obra e senti uma enorme ansiedade pelo encontro com ele, porém minha ansiedade foi devidamente trabalhada, para não dizer martirizada, pisada, oprimida e assassinada, até o ponto de definhar e morrer.

Antes de conhecer Jean Valjean, somos apresentadas ao Bispo Myriel, Dom Bienvenu. Cristão consciencioso, ele é capaz de transforma a confortável casa paroquial em hospital, doar a maior parte de sua renda para os pobres, jamais fechar a porta da sua casa, viver unicamente para servir e servir para viver. Fica claro o porquê desse homem ser capaz de abrigar Jean Valjean, então um "mal elemento" recém saído de um carcere de 19 anos anos, com tendencia a violência, ares de louco, fedegoso e desesperado.

Assim como a trajetória do Bispo Myriel, a vida de Jean Valjean é descrita longa e detalhadamente. Nenhum ponto é ignorado: sua vida dura como irmão de uma mulher com muitos filhos e nenhum marido, o fatídico episódio do roubo de um misero pão, o castigo desproporcional e desumano como trabalhador forçado galés por 19 longos anos, as fugas, a dolorosa consciência de ser vitima de injustiças, a construção da brutalidade no coração daquele homem e transformação que ocorreu após o seu encontro com o Bienvenu.

Amo a Fantine da Anne Hathaway 
Só depois de vislumbrar a vida desses dois sujeitos, e o seu encontro, nos é dado a conhecer a trajetória da moça Fantine.  Um moça órfã, de origem desconhecida, que se envolve com um mauricinho rico e prepotente e herda dessa relação uma filha sem pai. Mãe conscienciosa, ela faz todo tipo de esforço possível e imaginável para manter essa filha... quando não tem mais o que vender para manter a menina Fantine vende a si e encontra a degradação... É no meio da degradação assim como Jean Valjean encontrou a benevolência do Bispo Myriel ela vai encontrar a dele.

Uma velha máxima diz: "Todos possuem uma história.", tal máxima parece que a força motriz de Victor Hugo ao escrever. Em sua narrativa nenhum caráter fica descoberto ou descrito superficialmente, todos os personagens a entrar na história tem sua trajetória contada em detalhes. Não há pontas soltas ou detalhes não revelados. Os pobres, os ricos, os oprimidos, os opressores... as misérias humanas são exploradas enquanto os miseráveis levam suas vidas até o seu limite.

Não canso de contemplar absurdada a atualidade dessa história, como em 153 anos o Ocidente caminhou tão pouco na direção da diminuição das desigualdades sociais, da miséria humana, da fragilidade da infância, da hipocrisia dos que possuem muito.

A miséria humana denunciada no século XIX é atual no século XXI.

E no Brasil a comissão Câmara dos Deputados que discute a maioridade penal aprovou no ultimo dia 17 o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para os crimes considerados graves.

Por favor me belisquem, me acordem, eu estou tendo um pesadelo terrível. O "momento presente" é uma distopia, o texto escrito por Victor Hugo continua sendo necessário e eu gostaria que não fosse.
"Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiro infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século - a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância - não forem resolvidos, enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorancia e miséria, livros como este não serão inúteis." (Victor Hugo, Hauteville-House, 1862).

Esse texto pertence ao "Projeto Victor Hugo"


domingo, 12 de outubro de 2014

Estatuto da Criança e do Adolescente

Outro dia li um texto no qual o facebook era chamado de "besta do apocalipse". Confesso: ri muito e cheguei a concordar um pouco. Mas, como toda geminiana bem sabe, nada e ninguém é uma coisa só, todas as coisas possuem lados divergentes e convergentes, capacidade para a ternura e fúria, malefícios e benefícios e as redes sociais também tem disso.

O facebook tende mesmo a se comportar como uma besta do apocalipse sedenta de sangue e caos. compartilhando as indiscrições alheias. Mas, também tem seu lado A, seu lado bom.

Por exemplo, hoje encontrei nos descaminhos do "quase sempre insuportável" face a pagina do "Conselho Superior da Justiça do Trabalho". Na "Semana do Dia das Crianças" eles resolveram destacar alguns artigos que servem como premissa para o combate ao trabalho infantil" e, na minha opinião, para outras coisas também.

O Brasil e os brasileiros são criaturas que em geral pouco se importam com a infância, ou melhor, pouco se importam com a infância pobre e a pequena infância carente. O "Bolsa Família" garante a frequência escolar de milhares de crianças em todo território nacional, porém é apelidado carinhosamente de "Bolsa Esmola"; a escola pública não é prioridade e quando se fala em creches as pessoas defendem que a creche é "importante para as mães que trabalham" e não para as crianças.

Para as crianças pobres e a pequena infância carente tem sobrado o pior pedaço do bolo dos recursos públicos. Quem se compromete em lutar pelos direitos deles costuma ouvir coisas como: "Seu trabalho não tem futuro!"

Como educadora coleciono pequenas derrotas diariamente. Para cada passo dado a frente muitas vezes é preciso dar dois para trás. Me pego imaginando o quanto as pessoas que me antecederam também sofreram derrotas em suas lutas.

Mas, como nem só de derrotas vivem os que batalham por um mundo no qual a infância seja respeitada, nós temos o "Estatuto da Criança e do Adolescente" (ECA), lei nº 8.069 de 1990, um conjunto de normas que tem como objetivo a proteção integral das crianças e adolescentes.

Muita gente se recente dele, muita gente desconhece ele, muita gente luta contra ele e clama por "Redução da Maior Idade Penal" antes de clamar por "Respeito ao Estatuto", "Respeito aos Direitos das Crianças". Combater o menor infrator nunca vai produzir um mundo mais pacifico, combater aquilo que produz o menor infrator já é outra história.

Compartilho, guardo, aqui os artigos destacados pelo "Conselho Superior de Justiça do Trabalho" com a esperança de que cada um de nós consiga fazer algo a respeito cada vez que ver uma criança em estado de fragilidade social. Que possamos travar pequenas lutas a favor das crianças diariamente e que junto com as muitas derrotas venham também vitórias tão grandes quanto a construção e aprovação do ECA foi em 1990.

Ah, deixo também meu obrigada a cada cidadão que militou em favor do ECA, se a vida das crianças já é dura com ele, imagina sem!





domingo, 11 de agosto de 2013

O desafeto a literatura nos tempos do Império - Parte 1


Parece mentira, mas me ensinaram durante os sete longos ano de curso de História e pós-graduação que nem sempre existiu o país Brasil, na verdade o nosso país é uma invenção até recente, no frigir dos ovos não temos mais que 200. Essa enormidade geográfica localizada no sul da América na qual as pessoas falam o estranho idioma chamado português começou a ser inventado no inicio do século XIX, mais especificamente em 1822.

Bem, há quem não acredite nisso, vocês meus queridos companheiros de virtualidade podem não acreditar, mas um contemporâneo da "Independência do Brasil", o fracês August de Saint-Hilaire disse com todas as letras do querido alfabeto: "Havia um país chamado Brasil, mas absolutamente não havia brasileiros". Foi ao longo dos oitocentos que vários dos pilares de nossa vida social e identidade foram construídos, tudo isso foi registrado de diversas formas e entre elas está a literatura.

Uma das coisas que eu tento por todas as vias possíveis e imaginárias é compreender porque os leitores brasileiros tem tanta resistência aos textos literários produzidos nesse período. É mais que mero desinteresse é quase uma desafeição generalizada a autores como José de Alencar e Machado de Assis.


Eu tento compreender o motivo dessa desafeição generalizada, muitos justificam que isso se deve a um primeiro encontro traumático nas aulas de português do Ensino Médio no qual a "Literatura Brasileira" é conteúdo obrigatório e os autores canônicos como o tal do Machado e o tal do Zé de Alencar são OBRIGATÓRIOS. Bem, putz, esses autores estão no currículo porque são tão importantes que as pessoas que elaboraram os Parâmetros Curriculares Nacionais (um grupo composto por alunos, professores e acadêmicos) considerou que é DIREITO de todo e qualquer brasileiro conhecer esses autores.


Não é maldade, não é questão de obrigatoriedade é questão de direito!!! Que uma adolescente confunda direito com obrigatoriedade e implique vá lá... Mas os adultos arrastam essa implicância pela vida como um tipo de amuleto de sorte e esquecem que melhor que conhecer o outro é conhecer a si mesmo. Aliás, é possível conhecer melhor o outro quando conheço bem a mim e tudo aquilo através do qual eu me tornei quem sou.

Bem, eu não sei se estou certa quando penso as coisas expostas nos dois últimos parágrafos... De fato, como acontece com inúmerxs jovens brasileiros a mim, como aluna de escola pública localizada em uma comunidade popular favela, foi negado o CONSTITUCIONAL DIREITO de ter aulas regulares de literatura brasileira durante os meus anos de ensino médio e o resultado disso foi ter conhecido José de Alencar e Machado de Assis por acidente nas estantes da biblioteca escolar.

Primeiro veio os romances de Alencar, confesso que os romances indianistas jamais me atraíram, mas os romances urbanos.... Aaaah... Quanto perde quem não dã uma chance a eles!!! A cidade do Rio de Janeiro se erguia diante de mim como que por mágica, as moças bem vestidas, os moços com seus ternos, as carruagens, os bailes, as sensibilidades... Tudo tão bem descrito, tudo sob aquela áurea tão particular.

Era maravilhoso contemplar o passado pelo olhos de José de Alencar. Confesso, hoje a criticidade misturada ao ceticismo me faz fazer inferências menos generosas a respeito da obra dele que a adolescente que eu fui. Mas hoje consigo compreender que os romances ditos "indianistas" representam o esforço de José de Alencar de descrever ou inventar o melhor passado possível para o recém criado Império do Brasil e os romances urbanos o esforço dele de documentar o presente desse Império da melhor maneira possível.


Sei que o texto já deve ter cansado a beleza de muita gente até chegar a esse ponto, mas se você leu quando adolescente os textos de Alencar, ou não leu por implicância com a chata da sua professora ou professor de literatura... Bem, agora talvez seja a hora de praticar o perdão, se ela ou ele fez parecer que era obrigação sua, foi um erro de linguagem, na verdade a ideia é que era um direito seu conhecer um pouco de como o seu país começou a ser construído, de como pensavam aquelas pessoas que inventaram o Brasil, o brasileiro e derivativos.

Ai bem, depois do romantismo de José de Alencar, por uma sorte inexplicável da vida encontrei Machado de Assis... E ai toda a beleza lirica da sociedade Imperial foi posta em xeque...

Desconfio que devaneie demais nesse post e decidi deixar essa parte na qual falo mais sobre Machado para o próximo bloco, ou melhor post...

Ah, mexendo e remexendo no face criei uma página para esse blog deixo aqui o link, ainda não sei bem para quer vai servir, mas quem quiser curti, fica a dica, ou melhor o LINK

sábado, 20 de julho de 2013

Cineclube Moscouzinho, quando fui convidada para um cine debate em Jaboatão e a Pandora saiu da virtualidade.

Jaboatão é uma cidade próxima a Recife, lá funciona toda sexta na Casa da Cultura - com raras exceções o "Cineclube Moscouzinho" que sem exceção alguma tem feito emergir várias discussões interessantes através de filmes e documentários. Estou falando dessa experiencia pedagógica porque essa semana a Tairine, uma das organizadoras do projeto, me convidou para participar como debatedora.

Confesso que senti um certo temor porque não sou bem uma especialista em cinema e derivativos, mas o tema foi demasiado tentador. Em parceria com a Rede Ecumênica da Juventude, o cineclube esteve dando continuidade a uma mostra cinema sobre direitos e cidadania e o tema foi a "Maioridade Penal".

Tema complexo, espinhoso, cheio de nuances responsável dividi opiniões... Como professora me senti demasiado tentada a participar e fui com fé e com gosto.

Assistimos o documentário "Juízo" de Maria Augusta Ramos, Diler Trindade e Telmo Maia, produzido em 2007. Nele se conta como procede a justiça com os "de menor" començado pelo julgamento, passando pela forma como a punição prevista no julgamento é executada até chegar ao após tudo das crianças. Como já disse, não sou cinéfila, então todo o trabalho foi uma grata surpresa. Juízo é uma coisa primorosa. Muito bem feita, deve ter demandado uma grande pesquisa, produção e derivativos. O documentário está disponível no You Tube, eu indico e deixo o link.

A parte isso tudo, assim que terminei de passar pela experiencia de participar do Cineclube fiquei super ansiosa para postar aqui porque além de ter sido uma experiencia enriquecedora aconteceu uma coisa curiosa... A Tairine, pessoa querida que me fez o convite, me conhece pessoalmente, nos encontramos nos corredores da UFPE quando eu ministrava aulas de história em um pré-vestibular em funcionamento lá, mas nossa comunicação ocorreu através do facebook graças a esse artificio ela esqueceu lindamente meu nome e no cartaz anunciando o evento o nome que constava era o Pandora e não o meu nome. A confusão de nomes foi inusitado porque geralmente para compromissos assim sou chamada pelo nome de batismo mesmo.

Todos concentrados assistindo.
Lá eu esclareci o ocorrido, mas as pessoas, mesmo assim, me chamavam de Pandora e a todo momento eu lembrava da Irena que na descrição da minha assinatura na Saleta de Leitura diz que eu sou conhecida como Pandora no mundo virtual.... Uau, agora sou também no mundo real! Que diferente! Que surreal! Gosto do meu nome, mas também gosto da Pandora, me apeguei a essa alcunha, claro que adoro quando me chamam pelo nome, mas...

Enfim, sem mas... para concluir deixo aqui algumas imagens dessa experiencia feliz. Debater é ótimo! Todos tem vez e voz no Cineclube, após o filme todos nos organizamos em circulo, os debatedores convidados comentam o filme depois todos os outros também podem se expressar de forma livre.

No melhor estilo professora!
Essa semana foi de exceção, o cine não ocorreu nem na sexta e nem na Casa da Cultura, mas eu amei tudo, fui muito bem recebida e apesar de Jaboatão não ficar a  uma distancia confortável me sinto inclinada a voltar sempre e sempre e a convidar quem mora em Recife e Região Metropolitana para está por lá sempre que possível.

Antes que eu me esqueça por lá também conheci um rapaz envolvido com o jornal independente "A Nova Democracia". Não posso dizer que conheço essa experiencia jornalistica, mas estou investigando. De toda forma é uma fonte alternativa de informação produzidas por pessoas politizadas, bem informadas e criticas. Também deixo o link do site do Jornal para quem se interessar LINK.

Foto que mais gostei!

E para encerrar uma imagem de todos os que compareceram em circulo, iguais em direitos e deveres exercendo nosso direito a cidadania debatendo um tema central para a sociedade.



Obrigada Tairine pelo convite, pela oportunidade e por tudo o mais!!!
Foi um momento maravilhoso!!!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Um momento com Clara Trueba diante do Feminismo...

Clara Trueba é o nome de uma das personagens de um dos livros mais especiais que já li na vida: "A casa dos espíritos" escrito pela brilhante Isabel Allende.

Quem me apresentou esse livro foi a Jussara através de uma resenha linda lá no Palavras Vagabundas. Depois de ler o texto da Jussara não demorou muito para que eu corresse para uma das mais marcantes experiências literárias por mim vivenciadas até o momento.

O livro da Allende é para ri, chorar, se emocionar e refletir bastante não só sobre  vida familiar e História com H maiúsculo. Até hoje eu não sei se Allende escreveu um capitulo da história do Chile usando como pano de fundo a saga da família Trueba ou se ela escreveu a saga das família Trueba usando como pano de fundo aquele capitulo da história do Chile.

Depois de tudo só me restou duas certezas: Isabel é uma contadora de histórias fantástica e suas palavras e personagens caminharão comigo até o fim dos meus dias.As personagens de Allende são daquele tipo que vem a memória quando eu menos espero e falam comigo, implicam ou me ajudam a constatar o obvio em algumas situações particulares. Loucura néh?!?! Pois é!

Por esses dias tive um desses momentos com a Clara Trueba e achei que merecia um registro.

De uns tempos para cá me tornei mais simpática do que nunca as demandas levantadas pelas feministas (da net, da rua, da faculdade e do mundo) e olhando imagens postadas nos corredores das redes sociais, conversando pelos corredores da faculdade, pelos ônibus e derivativos a Clara me veio a memória.

Ela também teve muitos encontros com as feministas do mundo e possibilidades de avaliar suas demandas, sua mãe foi uma rica senhora que apesar de ocupar uma confortável posição social, ou justamente por ocupar uma confortável posição social, era sufragista - feminista- no Chile e a levava desde pequena para suas ações nas fabricas e cortiços da cidade. Foi a impressão de Clara a respeito desses momentos que me veio a mente e eu não consigo resistir ao impulso de registrar aqui a passagem do livro tal e qual foi escrita:

"As vezes Clara acompanhava sua mãe e duas ou três de suas amigas sufragistas em visitas a fabricas, onde subiam em caixotes para arengar às operárias, enquanto, a distância prudente, os capatazes e patrões observavam, zombeteiros e agressivos. Apesar de sua pouca idade e completa ignorância das coisas do mundo, Clara percebia o absurdo da situação e descrevia em seus cadernos o contraste entre sua mãe e suas amigas, com casacos de pele e botas de camurça, falando de opressão, igualdade e direitos a um grupo triste e resignado de trabalhadoras, com toscos aventais de algodão cru e as mãos vermelhas de frieira. Da fabrica, as sufragistas se dirigiam a confeitaria da Praça das Armas para tomar chá com bolinhos e comentar os progressos da campanha, sem que essa distração frívola as afastasse nem um segundo de seus inflamados ideais.  Outras vezes sua mãe levava-a às comunidades marginais e aos cortiços, aonde chegavam com o coche carregado de alimentos e roupa que Nívea e as amigas costuravam para os pobres. Também nessas ocasiões, a menina escrevia com assombrosa intuição que as obras de caridade não eram capazes de mitigar essa monumental injustiça."
(Isabel Allende_ A casa dos espíritos_91-92)

Depois de rever essa reflexão da Clara me ocorreu que realmente a história é feita de rupturas e continuidades. As feministas cuja ação venho observando ainda são mulheres muito semelhantes as observadas por essa garota silenciosa de intuição assombrosa que saiu de algum lugar das memórias de Isabel Allende para a minha...

Link  para a resenha da Jussara: "Clara, Branca e Alba": A casa dos Espíritos de Isabel Allende

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Do que se diz sobre quem não ler...

É engraçado, o Brasil definitivamente não é um país de leitores. Sim, eu quero que o Brasil venha a ser um país com mais leitores, luto por isso, faço campanha, divulgo idéias e tudo e tal.

Acredito na ideia de ser a leitura um jeito interessante de adquirir conhecimento e cresce como ser humano. Desde os sete anos sou apaixonada pela leitura e isso é tão central que minha mãe lembra minha primeira palavra lida e não lembra a primeira palavra falada.

MAS...

Eu me pergunto todos os dias se para exaltar as possibilidade da leitura é preciso mesmo desqualificar, desvalorizar, ridicularizar, menosprezar e classificar como menor toda e qualquer cultura que não seja escrita.

Me perdoem, mas eu não consigo deixar de me irritar quando vejo coisas como:


Ou:


Sinceramente, o habito de ler em si não nos torna mais humano que uma pessoa que não ler.

Gostar de ler não nos torna superiores a nenhum outro ser humano na terra.

Manipular a norma culta como se tivesse engolido a gramatica não nos torna seres elevados, nobres e justos.

Pessoas que não leem pensam sim e como pensam, sentem, lutam, constroem coisas lindas, reflexões lindas.

Analfabetos não são idiotas feitos para serem enganados, pessoas letradas também são enganáveis, manipuláveis, vulneráveis em vários sentidos.

Sinceramente [2] o lugar no qual eu conheci o maior percentual de pessoas altamente letradas foi também o local no qual eu conheci mais pessoas traiçoeiras, mesquinhas, dadas a falsidade, sem nenhuma capacidade de ter empatia com o outro e nada confiáveis.

Eu DETESTO esse suave desprezo que as vezes percebo nas pessoas letradas em relação as iletradas.

E nesse meu momento de mal humor reafirmo algo que já disse antes:


"Eu não acho que ler apenas expulse do espirito de alguém a ignorância.... Conheço tanta gente altamente letrado, com títulos e mais títulos que é um poço sem fundo de ignorância.

Conheço gente que ler tanto e não tem caráter, humilha, massacra com uma facilidade tremenda pessoas que não tiveram acesso a uma formação igual a sua.

Ler é bom, alarga os horizontes, eu não sei o que seria de mim sem a leitura, MAS, existem coisas que os livros não ensinam.

Limites, empatia e senso de responsabilidade por exemplo, nenhum livro me ensinou isso.

Quem me ensinou limites foi meu pai que não foi além do primeiro colegial e aprendeu a ler motores, rodas e estradas e não livros.

Empatia, essa coisa que te faz cuidar dos mais frágeis quem me ensinou foi Voinha que era analfabeta.

Senso de responsabilidade foi Dona Gilda, Mãe, quem me ensinou e nunca a vi com livro algum.

E a suavidade de um beijo, a força de um abraço, a alegria de ouvir uma voz querida a de ser ouvido por alguém foi minha mãe quem me ensinou e ela apenas terminou o ensino fundamental e desde que se tornou mãe abandonou os romances da Nova Cultural."

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Comentando "A Trilogia do Mago Negro".


Sou obrigada a confessar: quando a "Trilogia do Mago Negro" escrita pela australiana Trudi Canavan foi lançada em 2012 pela editora "Novo Conceito" ela mal fez cocegas na minha vontade de ler. Quando vi o lançamento até tive vontade de ler, mas não cheguei a me mover no sentido de adquirir o livro, me pareceu, pelo trabalho gráfico e divulgativo feito pela editora, mais uma história qualquer com magos e poderes daquelas que eu até leio, mas decididamente não de forma prioritária como ocorre quando surge algo do Neil GaimamPratchett ou mesmo Rick Riordan, por exemplo.

Definitivamente esse não foi a primeira vista um projeto literário capaz de chamar minha atenção de forma contundente e definitiva, ou seja, com a Trudi não funcionou o famoso "amor a primeira vista", com ela eu precisei de um encontrou praticamente "pessoal".

O que me proporcionou esse encontro foi o Luciano, editor do blog .Livro. Ele me convidou para ler o volume 1 da série para o blog dele e ai começou a ser construída uma relação de amor.

A partir da leitura do volume 1, "O Clã dos Magos", a trilogia se tornou um projeto literário pelo qual sou afeiçoada ao estremo. A Trudi Canavan foi a primeira autora australiana que li na vida e ela já tem o meu respeito pra lá de incondicional. A história dela foi a primeira que vi nessa leva de livros juvenis com poderes mágicos e derivativos a colocar uma favela no mapa da cidade e da favela tirar a sua heroína.

A história contada nessa trilogia, apesar de colecionar jargões e derivativos típicos do gênero, me pegou. Parece que a Trudi leu boa parte das pesquisas sobre o processo de favelização, estudou as questões relacionadas aos preconceitos sociais, está a par de alguns tema relacionados as lutas feministas e para completar ainda se interessa por discutir homofobia.Tenho consciência de que parece muita coisa para uma trilogia cuja história ainda se passa em outro mundo com mitos, geografia e história próprios, e talvez seja mesmo.

Para quem ler Tolkien, Kiralia, Irmadin e derivativos vão deixar muito a desejar, algumas partes da história sobram mesmo, em especial no vol. 1 (doí dizer isso, mas é verdade); outras faltam, em especial no vol. 2; algo aqui e ali poderia ser melhor trabalhado e a tradução recebeu criticas das leitoras e leitores bilíngues (que não é meu caso); e a capa poderia ser mais charmosa. No entanto, já conclui a leitura do segundo volume da trilogia e posso dizer: "Trudi Canavan tem dado conta do recado, ou melhor, ela tem dado um recado muito interessante!".

Por algum motivo que desconheço, o Luciano considerou interessante me convidar para ler esse tal de segundo volume da trilogia, e publicou a resenha feita por mim do livro "A Aprendiz" em seu blog, quem estiver interessado pode passar lá e conferir as observações que teci a respeito do livro: A Aprendiz Volume 2 da Trilogia do Mago Negro.

Além de comentar o o livro 1 e 2, o Luciano também me enviou o livro 3 dessa trilogia, no qual a Trudi conclui a história dando conta da ação, da aventura, do romance e até nos premiando com doses agradáveis de sensualidade. Lá no blog dele está a resenha de "O lorde supremo, vol. 3 da Trilogia do Mago Negro".


Para sistematizar, deixo aqui em ordem o link de todas as resenhas que fiz sobre "A trilogia do Mago Negro" no .Livro:

O Clã dos Magos, vol. 1

domingo, 4 de novembro de 2012

Não sou perfeita!

Não sou perfeita, erro tanto quanto acerto...

As vezes faço pequenas maldades, cometo grandes excessos, armo pequenas vinganças, tenho momentos mesquinhos, sou incoerente.

Uma vez vi a Dama de Cinzas dizendo não está concorrendo ao concurso de "a mais coerente do ano". Eu também não estou!

Sou humana, as vezes me escapa até um palavrão, coisa que detesto... O que se dirá do resto?

Enfim...

A perfeição artificial de uma estatua clássica da vitrine estrategicamente iluminada de uma loja cara daquele bairro frequentado majoritariamente pelos muito ricos só a estatua clássica da vitrine estrategicamente bem iluminada daquele bairro frequentado majoritariamente pelos muito ricos consegue alcançar.

Lamento informar: Eu não sou um objeto caro feito de plastico, vidro ou mármore. Sou feita de carne e sangue. Sou humana!

Se me cortar eu sangro, se me bater eu grito e se gritar comigo eu posso me assustar e chorar uma lágrima sentida. Mas também há uma grande possibilidade de repentinamente eu gritar mais alto. E se o gritador original me chamar de psicopata, de repente, ele pode vim a ter razão.

Talvez eu seja uma psicopata em potencial! Todos os seres humanos talvez sejam psicopatas em potencial... Eu não vejo outros animais tendo necessidade de enjaular, escravizar, cortar, empalhar e caçar seus iguais ou diferentes.

Quem sabe o que pode fazer em um momento de fúria, acuado, ferido, sangrando, doendo? Eu não sei! Você sabe?

Uma vez encurralada eu posso responder encurralando também.

Se me empurrar, com ou sem motivo,  sentindo a dor da queda quem sabe se em vez de chorar eu não vou levantar e empurrar com o dobro da violência e causar uma dor maior ainda?

Uma professora de química costumava dizer a nossa turma: "Cuidado! Eu retribuo mal com coisa pior!". Sempre me pergunto onde terminava a pilhéria e começava a verdade desse aviso.

Sei lá...

Quanto a mim, nem sempre consigo fazer valer o meu lado cristão, bondoso e afável...

Me pergunto: "Alguém consegue ser correto sempre?"; "Quem consegue ser correto sempre?"; "Quem consegue viver sem ter um, dois, três dezenas de arrependimentos?"; "Quem consegue viver sem cometer um erro, sem ter sido obrigada ou obrigado a pedir perdão?".

Se alguém por acaso consegue essa pessoa não sou eu!

EU NÃO SOU PERFEITA!!!

_______________

Não! Essa definitivamente essa não é uma forma positiva de começar a semana, mas tirem por menos e lembrem: quase todo blogueiro que fala sobre sua vida e sentimentos no bloguito tem um dia de postar revolta e derivativos.

Não é algo evitável visto que a vida cansa vez ou outra, ou vez em sempre, mas tenhamos fé, nada como um dia após o outro...

Eu estava com saudades de desabafar no blog \o/

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Meme Literário de Um Mês 2012: Dia 30 - Qual o livro que você leu esse ano que menos gostou?

Cinquenta tons de cinza não é que o livro seja péssimo, horrível ou o pior que li na vida. Confesso que se tivesse encontrado ele entre algum livro da Série Momentos Íntimos eu diria até que é um livro regular, por ser de fácil leitura.

Mas, no formato no qual foi lançado, com toda a pompa, glória e barulho, ele se torna um texto que promete muito e entrega pouco, é uma enganação.

Não sou contra livro do tipo "Momentos Íntimos" com cenas sensuais, textos simples, adoráveis pervertidos  irreais do cabelo a medula e heroínas inocentes, sortudas e improváveis, eu já li muitos dessa série. Mas sou rigorosamente contra anunciar um livro nesse formato como se fosse a última novidade do pacote das novidades literárias e ainda chamar de pornô para mamães, como se as mães fossem seres com desejos sexuais reprimidos e capacidade intelectual inferior para distingui um livro ruim de um bom e derivativos.

Eu penso que se as mamães quiserem ler pornografia ou tiverem o habito de fazer isso, elas facilmente encontrarão coisa muito melhor 50 tons, elas vão da lista da Série Momentos Íntimos para cima com muita facilidade. Mamães não são otárias em potencial sofrendo de falta de senso critico cronica, a maternidade não transforma ninguém em otária.

Por isso foi o pior livro do ano vai para ele, pela enganação, pela não-novidade vestida de novidade, um livro que só fez esse sucesso assustador porque uma cultura hegemônica sempre é uma cultura hegemônica  #OpiniãoPessoal


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Meme Literário de Um Mês 212: Dia 19 – O que você acha da elitização da literatura?

Assim na minha pobre opinião, para o caso do Brasil vamos, venhamos e convenhamos que a literatura jamais foi até o dia de hoje algo popular, de longo alcance ao qual todo a população independente de renda tivesse acesso livre e irrestrito como por exemplo a novela das oito. Aliás, ela chega ao fim hoje, todo mundo, para o bem e para o mal, tem uma opinião a respeito e Adriana Esteves foi maravilhosa. #OiOiOi

Aliás[2], o Brasil foi colônia portuguesa e, se eu não me engano, uma característica da administração portuguesa em sua colônias era justamente uma rígida censura a difusão de qualquer material impresso e as elites estabelecidas aqui no Brasil nunca consideraram crucial educar as massas ou mesmo a seus rebentos.

Depois, durante o período do Brasil Império, havia um consenso entre os intelectuais a respeito da importância da educação escolar e cultura escrita. Porém, apesar dos intelectuais do Império estarem afinados com o pensamento liberal, as atitudes do governo sempre mantiveram a educação das massas pobres como ultimas das prioridades e educação seguiu sendo um privilégio de poucos.

A Republica tinha um discurso lindo e lirico, no entanto, também ela foi caracterizada por muita conversa de intelectuais quando a necessidade de se educar, verdadeira ladainha, e pouca pratica que é bom.

Reza a lenda, porque eu ainda não pesquisei o suficiente para dizer com certeza, houve um tempo no qual a escola publica era BOA, no entanto, isso eu sei porque pesquisei, nesse tempo ela não era tão ampla e popularizada como é hoje.  Meus vizinhos, Mãe Gilda (minha avó materna), meus tios, ainda guardam a memória de uma época, não tão distante, na qual consegui uma vaga em uma escola publica em Recife era uma verdadeira Odisseia, era muito mais difícil que consegui uma ficha no posto de saúde para um fisioterapeuta.

A escola publica brasileira só se tornou algo de massa, cujo alcance é largo na época do governo de Fernando Henrique Cardoso e se popularizou de forma definitiva com o Lula graças a Bolsa Família, tão criticada pela classe média e derivativos.

Enfim, a cultura escrita, as letras nunca foram algo popular no Brasil. Logo eu não posso dizer que hoje existe uma "Elitização da Literatura" e talvez o que seja possível acontecer seja uma popularização da cultura escrita.


E sim, claro que acho HORRÍVEL viver em um país no qual poucos possuem tudo, inclusive a possibilidade de ler tantos livros quantos achem conveniente, e muitos não tem nada ou quase nada para ler. Acho pavoroso que a população em peso não compreenda o valor do livro, da escola e derivativos.

E se você também acha isso PAVOROSO sempre se pode fazer algo a respeito néh... E bem, na falta de algum projeto social próximo a sua casa sempre tem Luma ai néh, todo ano, firme e forte convidando nós, pessoas privilégiadas, que sabem o valor dos livros, gostam dos livros e podem e sabem como e onde  comprar livros a desapegar e fazer outra pessoa descobrir o valor, o gosto e a possibilidade de ter livros que possam lhes ajudar a crescer na vida...

BookCrossing Blogueiro  tá ai chamando a gente a colaborar e a popularizar a leitura... Nada é natural tudo é historicamente construído e todos nós somos sujeitos da história.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Meme Literário de Um Mês 2012: Dia 16 - O que te faz largar a leitura de um livro no meio do caminho?

Mau humor.

A única coisa que me faz largar leitura é isso. Tem autor que me coloca de mau humor com seu texto e aí não desce, eu largo o livro mesmo.

O que me causa mau humor: machismo, racismo, hipocrisia, autor que me duvida da capacidade dos queridos "Tico e Teco" pensarem, embromação, falta de franqueza, auto-ajuda disfarçada de literatura (que também pode se localizar em: falta de franqueza), texto pedagogizante, artificialidade, suspense e mistérios desnecessários.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Meme Literário de Um Mês 2012: Dia 11 – O que faz um grande escritor? O que faz um grande livro?

Na minha opinião o que faz um grande escritor é vontade e experiencia.

Quem escreve e escreve e torna a escrever, um dia, cedo ou tarde, acha o tom e consegue se tornar um bom escritor.

Fama, quantidade de livros vendidos e derivativos não são, na minha opinião, elementos que fazem um grande escritor.

Embora alguns dos grandes escritores do mundo sejam realmente famosos, existem muitos escritores famosos que só tem de grande a conta  bancaria e muitos grandes escritores nem tão conhecidos assim.



E para vocês o que faz um grande escritor?
______
A Nádia do Palavras em Movimento me lembro que eu esqueci de falar sobre o que considero um bom livro, mas ela definiu de uma forma tão coerente com o que penso que vou roubar o texto dela no comentário.

"Pra mim um grande livro tem personagens bem construídos e uma trama bem elaborada que envolva as emoções dos personagens e me faça viajar. :)"
(Nádia)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Assim também ofende néh!!!

Nos últimos tempos a leitura de textos voltados para a História e a escrita tem consumido grande parte de meus dias. De forma que tem sido muito mais frequente na rotina desse blog que eu fale de livros ou comece uma reflexão a partir de uma leitura de algum livro.

E bem, hoje isso vai se repetir um pouco... Perdão pela repetição!

Mas, como minha pesquisa de mestrado diz respeito as ultimas décadas do Império do Brasil fui obrigada a me deparar com o livro "O pântano e o riacho" de Raimundo Arrais. O livro é resultado da pesquisa de doutoramento dele feita na USP e tenta tratar das transformações pelas quais passou o espaço urbano do Recife ao longo do século XIX.

Para tanto, ele invoca textos clássicos sobre a cidade durante o século XIX. Ele analisa textos produzidos durante a primeira métade o século XX por Pereira da Costa, Mario Sette e Gilberto Freyre, entre outros. Aliás a melhor parte do livro  é quando ele fala sobre os autores e a forma como eles desenharam a cidade do Recife em seus discursos.

Enfim, no final do livro ele vai falando o que não deu certo para a cidade, o que foi sonhado e não concretizado e fala sobre os subúrbios da cidade. É certo que no inicio do século XIX há um certo romantismo na visão que os intelectuais tinham do subúrbio. Carlos Pena Filho, na primeira metade do século XX, falou assim dos subúrbios da cidade:

"Nos subúrbios coloridos
em que a cidade se estende,
em seus longos arredores,
onde, a cada instante nasce
uma rosa de papel,
caminham as tecelãs.
Restos de amor nos cabelos
que ocultam por ocultar,
levam a noite no ventre
e a madrugada no olhar..."

Quase cinquenta anos depois muitas águas rolaram debaixo das pontes da velha cidade do Recife, houve os milhares de retirantes vindos dos diversos estados do Nordeste para cá, houve a expulsão da população do centro para o subúrbio, pseudos-revoluções, ditadura, resseção, crise, caos... Enquanto as áreas que pertenciam a velhos engenhos foram sendo lentamente ocupadas e a cidade foi crescendo meio loucamente.

Se eu fosse descrever Recife eu roubaria as palavras de Terry Pratchett usadas para descrever Ankh-Morpork em "A Magia de Holy Wood":

"Os poetas a muito desistiram de tentar descrever a cidade. Os mais espertos disfarçam. Dizem que... bem... talvez ela seja malcheirosa, talvez ela seja superpovoada, talvez ela seja um pouco como o Inferno seria se controlassem o fogo que queima por lá e formassem um curral cheio de vacas com problemas intestinais durante um ano. Mas é preciso admitir que ela é cheia de vida pura, dinâmica e vibrante. E é verdade, apesar de serem os poetas quem dizem isso. E as pessoas que não são poetas dizem: e daí? Os colchões também tendem a ser cheios de vida, mais ninguém escreve odes a eles. Os cidadãos odeiam morar lá e, se são obrigados a mudar para outra cidade por causa do trabalho, por aventura ou, o que é mais comum, para esperar que algum astatuto de limitações expire, não vem a hora de voltar para que possam sentir um pouco mais do prazer de odiar viver lá. Eles colocam adesivos na parte de trás da carroça dizendo: "Ankh-Morpork - Odeia-a ou deixe-a"...
(...) Ela sobreviveu a enchentes, incêndios, multidões, revoluções e dragões."
(Terry Pratchett, A magia de Holy Wood, p. 12-13)

A cidade de Recife inteira é complicada, louca, maravilhosamente viva e cheia de problemas. Meu bairro é cheio de problemas, se eu os fosse listar eu precisaria de um novo blog só para isso. A parte isso, destaco uma parte do texto de "O pântano e o Riacho" no qual Raimundo Arrais fala das áreas elevadas do Recife:

"Ali, o que era o romantismo de subúrbio virou desumanidade e medo. Na visão noturna de quem entra no Recife, são aquelas luzes mínimas cintilando no fio frágil das formas subindo e descendo os morros descalvados da primitiva mata. Na visão diurna, impõe-se o anti-cartão postal dos panoramas da Grande Recife: a imagem da iminência das tragédias coletivas nos véus negros das lonas distribuídas pelo governo para cobrir os trechos das ribanceiras e impedir que, fustigados pela chuva, desçam rolando, no esbarrancamento desse aglomerado indistinto de paredes, alicerces, telhas e tralhas domésticas."
(ARRAIS, Raimundo, O pântano e o riacho: a formação do espaço publico no Recife do século XIX, pg. 516, 517)

Caraca meu irmão!!! Quantas expressões pejorativas em uma única descrição: desumanidade, medo, anti-cartão postal, tragédias coletivas... Ele chamou meus livros de tralha ou é impressão minha?!?!

Tá, eu não sou Gabriela, mas vou usar uma fala dela: "Gostei não!" e em minhas próprias palavras: "Assim ofende!".

Nós somos pessoas certo! Somos humanidade e não desumanidade. Todas as pessoas do mundo vivem a iminência da tragédia coletiva. Medo? Falta de segurança é um problema da cidade inteira e não apenas dos suburbios da cidade, todo mundo vive com medo nos dias de hoje. Sinceramente eu me sinto muito mais segura quando o ônibus dobra a Avenida Norte e eu me vejo no meu bairro, respiro, estou em casa. E definitivamente tralha é uma palavra ofensiva para designar os bens adquiridos através de uma vida de trabalho duro e constante.

Me deu tanta raiva ler essa passagem do livro que não pude evitar vim aqui e escrever! Não é que o suburbio seja o paraíso na terra, não é! Muita coisa precisa ser mudada por aqui, há o descaso do poder público, há esgotos a céu aberto, tem lugares nos quais chega a conta de água e não chega água, os problemas urbanidade são muitos mesmoooo com todos os "oos" do mundo.

Mas não consigo deixa de pensar que nessa passagem o Raimundo Arraes pareceu o Caco Antibes dando uma de poeta e não posso deixa de exclamar: "Qualé cara! Isso é bullying sábia?".


domingo, 3 de junho de 2012

Calvin, o Freudiano!


Calvin é um garotinho de 6 anos terrível cujo brinquedo preferido é um tigre de pelúcia que ganha vida através de sua imaginação ativa, criação de um tal de Bill Watterson desde 1985 ele é um sucesso publicado em mais de 2000 jornais do mundo inteiro.


Desde que se começou a pensar que os quadrinhos são um suporte legal para o ensino de diversas disciplinas escolares Calvin também é presença constante nos livros didáticos das mais diversas séries e disciplinas, foi assim que eu conheci ele. 

Imagem daqui.


Desde que[2] ele critica muitoooo o modelo escolar de ensino ele também é presença constante nas revistas Nova Escola.


Aparentemente os editores não param para refletir que o modelo escolar americano pode assim ser um tanto quanto diferente do brasileiro e a realidade também... O importante é mesmo ressaltar a critica ao professor, a forma como ele seleciona os conteúdos a serem ensinados, como ele conduz esse ensino... 


Nãoooo... O fato de serem conteúdos e formas de ensino uma construção cultural na qual o professor é apenas 1 não importa, no roll da fama dos culpados, o professor sempre é o mais. #Fato

E por fim, desde que o Calvin[3] é super critico em relação a Deus e sua obra, ele é figura constante em redes sociais e afins.


Através dessas redes descobrir que, do alto dos seus seis anos, o nosso querido garoto prodígio é um Freudiano!!!


Gente essa observação do Calvin me pareceu tão Freud!!!
Eu quase cai para trás quando li isso!!!

Recentemente eu cruzei com um livro de Freud, "O futuro de uma ilusão", estava a um preço modico então eu comprei, não tinha a intensão de ler de imediato, mas eu tive que ficar duas horas em um fila no posto de saúde, o livro tava na bolsa, eu não tinha mesmo o que fazer... Então lá fui eu ler Freud.

Foi surpreendente porque eu esperava uma sopa de pedra e em vez disso tive uma papa de farinha. Néh que Freud escreve fácil! Nada de texto travado...

A coisa flui rapidamente e foi assim que eu descobrir que segundo Freud o homem não nasce bom e a sociedade o corrompe. Segundo Freud o homem é fera, é lobo e a sociedade o disciplina.

Entre as formas de disciplinar o lado Fera do homem está a Religião, um belo conjunto de ilusões que vem sendo construída desde os primórdios da humanidade com o objetivo de nos ajudar a nos equilibrar diante dos nossos dilemas cotidianos.

Pelo que entendi, segundo Freud, a religião está para nossas necessidades existenciais assim como a cultura está para as nossas necessidades materiais.

E se a cultura é construída a partir da verdade imposta pela materialidade da vida a religião se apoia em imaginação - ilusão... A religião é uma forma necessária de disciplinamento social, mas, segundo Freud, nem sempre é uma forma saudável de encarar as questões para as quais a materialidade do mundo não oferecem soluções tal como a morte, o destino, a doença, nosso lado animalesco, o lado sombrio da vida.

A parte o grande mal humor que existe em relação a Freud, Calvin é amado por todos e muitos curtiram e compartilharam esse pensamento do pirralho... Se fosse Freud dizendo facas rolariam face a fora e é claro que eu não posso deixar de ri sozinha só de pensar nisso rsrsrsrs... #Preconceito

Ah, antes que eu me esqueça, minha leitura de Freud foi feita por pura diversão, foi o primeiro livro dele que li, então minha interpretação aqui é limitada quase uma ousadia digna de um bom cascudo. Mas, a parte esse limite, eu me permito discordar dele em alguns pontos, para minzinha a religião é uma construção cultural tanto quanto a ciência.

Freud pensa ser a ciência uma construção humana muito mais eficiente, um conhecimento infinitamente melhor e mais seguro que o conhecimento religioso. Francamente, eu não concordo mesmoooo com ele nesse ponto, assim como discordo que cultura e civilização são a mesma coisa, que as religiões evoluem de um lugar a outro e que a presença europeia na África e na Ásia foi um empreendimento civilizatório.

E sim, vou continuar explorando Freud e rindo com o Calvin, quem sabe numa dessas eu não descubro porque o povo adora dizer:
"Freud explica!"

quarta-feira, 30 de maio de 2012

"A caligrafia de Dona Sofia" de Andre Neves ou O livro que achei no lixo.

Realmente, nós podemos até nos enganar em relação a isso, mas o Brasil não é um país de leitores e não, fazer comercial na TV aberta incentivando a leitura e derivativos ou mostrar um personagem apático de novela das oito lendo não pode ser classificado como um esforço no sentido de tornar o "Brasil um país de leitores".

Se o que eu disse no paragrafo acima se confirma ou não eu não sei ao certo, mas nesse momento, enquanto olho para o livro maravilhoso que achei no lixo sendo castigado pela chuva é o que sinto, é o que penso.

Em setembro do ano passado na Abertura da Bienal do livro do Rio de Janeiro a ministra da Cultura Ana de Hollanda disse: "Neste ano não teremos mais nenhum município no Brasil sem biblioteca." Obviamente esta foi uma promessa vazia e eu aposto que nas listas das prioridades municipais Brasil a fora não consta bibliotecas e mesmo que constasse é preciso muito mais que um livro na mão para se construir um leitor e esse livro jogado na rua é uma prova cabal disso...


Putz e nem pense que jogaram fora um livro feio ou desconjuntado: "A caligrafia de Dona Sofia" é um livro lindo, com uma história fascinante, ricamente ilustrado cujo tema é justamente o florescer do amor a poesia.


Na história de Andre Neves, Dona Sofia é uma professora aposentada que mora no alto de uma colina. Ela é tão apaixonada por poesia que esse amor transborda e leva ela a escrever poesias pelas paredes, cortinas, portas, chão... todos os cantos de sua casa e de sua vida são cobertos de poesia...

E insatisfeita por ter sua vida tão cheia seu amor transborda mais ainda e ela começa a escrever cartas para as pessoas da cidade com poesias dos mais variados autores do mundo.

Nessa tarefa dona Sofia conta com a ajuda de seu amigo o carteiro Seu Ananias, que até gosta de ler, mas tem uma caligrafia sofrível. Um dia até o seu Ananias, que entrega cartas a tantos anos e nunca recebeu nenhuma, recebe uma poesia e isso muda a vida dele, ou melhor a visão que ele tem da vida de forma linda e lirica.


E os dois se tornam ainda mais companheiros no trabalho de espalhar a poesia por todos os cantos possíveis e imaginados da cidade...

Não só pela história, mas pela forma como o livro foi construído quem tem "A caligrafia de Dona Sofia" nas mãos se sente de porte de uma obra de arte rica... Todas as páginas são repletas de versos, tudo nele respira lirismo em linguagem simples e acessível a todas as idades... Os personagens tem um ar divertido e tudo caminha para a construção de uma cidade melhor através do aprendizado da leitura da poesia.

Chega a ser irônico perceber que justamente esse livro foi jogado fora... Ai é que nós percebemos que estamos mergulhados em uma cultura que não valoriza a palavra escrita ou o conhecimento como forma de melhorar a qualidade de vida. As pessoas independente de sua posição social não pensam que ser um leitor é primordial para seu sucesso como ser humano.

Me parece que no Brasil as pessoas acham que "gostar de ler" é apenas a cereja do sorvete, um detalhe bonitinho, mas nem um pouco fundamental para a sobrevivência. A leitura é um enfeite que alguns podem se dar ao luxo de ter e outros não... O importante é ter grana não livros...

Me parece que há algo definitivamente errado nessa forma de se perceber as coisas, ao mesmo tempo eu me pergunto se é possível mudar isso... Bem, os meus manuais de história e antropologia dizem que a cultura, esse teia de significados nas quais estamos presos, não é algo natural. Tudo na teia é uma construção histórica e tudo o que foi construído pode ser desconstruído...

Tenhamos fé... Quem sabe dentro dos próximos anos nós possamos construir através de nossas práticas um país no qual as pessoas compreendam o valor da leitura não apenas como uma cereja, mas como a massa do bolo.