Estou lendo o livro “Jane Eyre” da Charlotte Brontë, e me deu vontade de escrever a respeito das irmãs Brontë e sim, esse post vai ser longo porque aquelas mulheres discretas, meio sofridas, filhas de um pastor inglês do inicio do século XIX, cuja cabeça era tão cheia de imaginação, paixão e capacidade criativa me fazem querer tagarelar.
A primeira das irmãs Brontë com a qual tive o prazer do encontro foi a Emilly Brontë, foi um mau começo. Céus porquê quis a Divina Providência me apresentar logo a mais arredia das meninas? Tímida, introspectiva, fechada para balanço, boa observadora de seu mundo, péssima na arte de manter uma mera conversação burocrática.
A leitura de “O morro dos ventos Uivantes” foi uma das experiências mais atormentadas de minha adolescência. Existe uma forma de não ser envolvido pelo frio musgoso daquela charneca atormentada? Se existe eu não os conheço, pois que a violência contra as crianças, as desigualdades sociais naturalizadas e a brutalidade infantil e mortal do protagonista sempre me abatem o espírito.
Li Emilly Brontë exatamente após “Orgulho e Preconceito” esperando encontra nos personagens da Emilly a mesma fagulha de calor, esperança e amor encontrada no celebrado e apaixonante romance de Austen e só encontrei frio, tristeza e revolta. Lembro sempre que quando fui devolver o livro o bibliotecário me perguntou se eu gostei e respondi com meu jeito estabanado e sem filtro da adolescência: “Nunca mais leio essa autora.”. Nunca diga: “Dessa água não beberei!”, de lá para cá já voltei a Emilly no mínimo mais duas vezes e continuo achando esse romance uma coisa atormentada.
Depois da atormentada Emilly, Anne foi a segunda das irmãs a entrar em minha vida. Confesso que a mais nova das irmãs Brontë demonstrou ser uma criatura um pouco mais otimista na escrita da história de "Agnes Grey", livro no qual ela mistura um pouco de sua autobiografia com um de seus sonhos. Se bem me lembro, Agnes é a mais nova de três irmã e decide se aventurar como preceptora de crianças após a morte do pai para não se tornar um peso para a mãe e irmãs. Durante sua atividade como professora ela amadurece e encontra o amor na figura de um pastor modesto e honesto e no final do livro ainda abre uma escola junto com a mãe e as irmãs. Não sei, porém suspeito que terminar seus dias junto a suas irmãs exercendo o magistério de forma independente era o sonho dela.
Já a Charlotte parece um meio termo entre Emilly e a Anne, até aqui “Jane Eyre” tem tido um peso dramático e melancólico, mas também há um núcleo de luz, há romance e calor para contrabalançar o frio. O livro funciona em seus 10 primeiros capítulos como um ótimo registro da vida escolar de crianças pouco favorecidas financeiramente em meados do século XIX, na Inglaterra, isso o torna bem atrativo para mim.
Gostaria muito de juntar o resmungão Raul Pompeia, o qual estudou em uma escola modelo do Império do Brasil, contando com todo o luxo, sem castigos físicos, com comida abundante, todos os aparelhos da modernidade pedagógica da época com a austera Charlotte Brontë. Talvez desse encontro saísse um homem com menos pena de si mesmo e mais capacidade de enfrentar dignamente seus bichos. #ProntoCritiquei
Voltando a Jane Eyre, ela tem sido até aqui uma baita heroína, dramática, intensa, intelectiva e com um fabuloso espírito prático. Sozinha no mundo vai abrindo seu caminho como pode, como dá, como lhe é possível dentro daquela sociedade na qual a desigualdade era naturalizada. Existe forma de não me emocionar com os suspiros de liberdade da jovem Jane?:
“Nesta tarde, cansei-me da rotina de oito anos. Quis liberdade, ansiei por liberdade. Por liberdade murmurei uma prece – e tive a sensação de que ela se desfazia ao vento que soprava lânguido. Abandonei-a e construí uma súplica humilde: pedindo mudança, pedindo estímulo. E também essa súplica me pareceu fundir-se no espaço vago. – Então – bradei, meio desesperada – dai-me pelo menos uma servidão diferente!” (Charlotte Brontë_Jane Eyre, 2008, p. 56).
Sempre fiz de “O morro dos ventos Uivantes” um contraponto ao “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen, um exercício pouco frutífero é verdade e infundado, mas, observando bem o livro de Charlotte Brontë tem mais pontos em comum que o clássico mais celebrado de Austen do que qualquer outro livro escrito por uma Brontë. Pois trata-se da história de como uma jovem desfavorecida se encontra com um homem melhor colocado na sociedade e com ele vive experiências que terminam em casamento. Mas, pensando bem, também essa comparação não é muito frutífera, naquela sociedade hierarquicamente desigual Jane Eyre estava em um extrato social inferior ao de Elizabeth Bennet, assim como as Brontë estiveram em um estrato abaixo do de Jane Austen.
Pensando bem, a autora de "Orgulho e Preconceito" jamais fez de pessoas abandonadas pela sorte, crianças, órfãos, empregadas domésticas, alcoólatras e preceptoras, protagonistas de suas histórias - no máximo coadjuvantes - de forma geral acho que ela mal percebia a existência desses sujeito. Já as Brontë fazem justamente desses seres abandonados pela sorte e até sujeitos de moralidade duvidosa (Heathcliff) personagens centrais em suas narrativas.
Apesar de estar gostado muito do texto da Charlotte Brontë, confesso achar mais fácil amar a vivacidade de Elizabeth Bennet e encontrar mais carisma no Mr. Darcy. É mais difícil amar a sobriedade de Jane Eyre e gostar do esquisitão Mr. Rochester. A luminosidade, a doçura, os bailes e o calor acolhedor dos livros de Jane Austen ainda me parecem mais convidativos que a dramaticidade das situações expostas em livros como o de Charlotte Brontë.
A propósito, parando de comparar, preciso dizer: mesmo me sentindo mais atraída pela obra de Austen, cada vez mais amo Charlotte Brontë. É impossível não amar uma mulher tão antenada com as discussões de seu tempo a respeito da desigualdade entre os gêneros, capaz de escreve em 1848 reflexões como essa:
“Têm-se as mulheres como entes passivos; e elas, todavia sentem tanto quanto os homens. Tanto quanto os seus irmãos, necessitam de campo onde exercitam as suas faculdades. As mulheres penam nos constrangimentos exagerados na inércia absoluta, precisamente como os homens sofreriam nas mesmas condições. E é pobreza de espírito dos seus privilegiados companheiros dizer que elas devem limitar-se a fazer pudins, cerzir meias, tocar piano e bordar almofadas. Condená-las, ou ridicularizá-las se agem ou aprendem mais do que o preconceito permite ao seu sexo – constitui uma insensatez.” (Charlotte Brontë_Jane Eyre, 2008, p. 70-71)