sexta-feira, 28 de junho de 2013

Noite de São João...

Desde maio eu voltei a trabalhar na creche e passei a prestar serviço para a prefeitura de Recife como professora de uma escola municipal na qual leciono História, História do Recife e Ensino Religioso. Em síntese: tenho tido dias longos, loucos, meio improváveis, as vezes sinto um dia se tornar uma vida inteira...

Hoje comecei a vida com crianças de três anos, livros infantis, massa de modelar, papas, melancias, banhos, colchões, lençóis, almoço - "Se não comer não ganha suco!" -, higiene bucal, sono, para eles e elas, para mim não...

Depois que eles e elas dormiram eu corri para cima de moto rumo ao mundo do sexto ano com a pré-história e pinturas rupestres no Parque Nacional da Serra da Capivara; das demandas dos adolescentes agitados, indisciplinados, agressivos, carentes de tudo do sétimo ano e da arte de tentar equilibrar todos os conflitos para falar da Idade Média antes que o sinal toque para o intervalo; e dos dois nonos anos onde todos os habitantes da América Pré-colombiana parecem olhar para mim esperando com a paciência única dos mortos para ver como faço para resolver o alvoroço dos alunos, a forma como a sala está de cabeça para baixo e ainda assim encontrar tempo para falar sobre eles.

Não, um dia não é uma vida, o dia é mil vidas. A minha, a dos alunos e a de todos os mortos que precisam ser invocados nas aulas de história!

Enfim, depois de tudo, quando finalmente comecei a trilhar o caminho que me traz de volta para casa eu encontrei com várias fogueiras acesas. Amanhã é dia de São Pedro e aqui, nos bairros de subúrbio do Recife, essa tradição persiste. A frente de uma casa a folgueira já estava com o fogo alto dançando no ritmo do vento de cidade litorânea, em outra uma criança soltava bombinhas, mais a frente havia pessoas bebendo algo alcoílico e comendo comida de milho... e tantas outras cenas...


Me ocorreu que acontecia algo como uma "noite de S. João para além do muro do meu quintal" e "do lado de cá" estava "eu sem noite de S. João" contando apenas "com uma sombra de luz de fogueiras na noite, um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos e um grito casual de quem não sabe que eu existo".

Ando meio melancólica por esses dias, tentei omitir isso desse espaço, afinal um diário/blog é feito de memória e esquecimento e sempre se pode esquecer de momentos tristes... Mas, em perspectiva eu sinto que vou gostar de lembrar dessa noite melancólica noite de São Pedro e da poesia de Fernando Pessoa que o Vitor Ramil musicou tão lindamente. Deixo aqui o registro do momento, do poema e da música.


Noite de S. João

Noite de S. João para além do muro do meu quintal. 
Do lado de cá, eu sem noite de S. João. 
Porque há S. João onde o festejam. 
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite, 
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos. 
E um grito casual de quem não sabe que eu existo. 

Alberto Caeiro, In: "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

15 comentários:

  1. Olá Pandora!
    Eu bem sei como estes dias de junho são comemorados aí em cima, principalmente no Recife e esta festa linda de S.João. Como tenho boas lembranças desses dias de minha infância, com fogueira, fogos e quadrilha e era aqui no Rio, acredite se quiser, mas tínhamos lindas festas juninas, hoje tudo dando espaço para a droga do funk e outras porcarias.
    Não fique triste, amanhã será um lindo e novo dia e eu te desejo o melhor!
    um grande abraço carioca


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  2. Olá Pandora!
    Admiro sua profissão, ainda mais em dar aulas de história! Adoro história, gostaria de conhecer mais, enfim...
    Adoro esta época do ano, pelo frio e pelas festas juninas e comidinhas típicas. Mto bom!

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  3. Sempre gostei dessa música, muito antes de saber que era poesia do Pessoa, justamente por isso: ela fala dessa paralelidade do mundo. Enquanto tu tá tumultuada com tuas coisas, tem outros espalhados pelo mundo nas mais diferentes situações. A gente só nota isso quando algo nos chama atenção verdadeiramente, como aconteceu contigo ao ver as fogueiras. Parece que acordamos e vemos o que nos cerca.

    E, que bonito, depois de terminar a música do Ramil começou a tocar... Die Toten Hosen! Aí tive que investigar esse mistério e descobri que tu linkou o vídeo da tua lista "Músicas emocionantes". Só não entendi a ausência de Passarinho ali.

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  4. Você caiu na roda viva da vida e eu acho isto emocionante. Saiu dos livros ao encontro da realidade, nem sempre linda, nem sempre perfeita, mas sempre vida. Para uma historiadora eu quero recomendar dois links (não sei se os conhece). É feito por uma jornalista mineira que, ao perder o pai de seu filho dois meses antes do seu nascimento, resolve escrever http://parafrancisco.blogspot.com.br/ para que ele soubesse quem foi o seu pai. Com o tempo e o crescimento do filho, ela cria um novo blog Francisquices http://cartasparafrancisco.wordpress.com/ onde relata o dia a dia do seu filho. Ao ler o seu texto de hoje percebi quantas coisas você pode deixar registrado à partir desta sua experiência com crianças e adolescentes. Veja lá e depois diga qual a sua opinião.

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  5. Pandora, eu admiro que tem como vocação ser professor, eu não daria conta, fico nervoso só de pensar. Não deve ser fácil lidar principalmente com adolescentes...

    Aqui, interior de SP, a tradição ainda resiste e muitas pessoas acendem fogueiras, aqui em casa quem o fazia era meu pai, agora ninguém mais acende, mas dá uma saudade daqueles tempos, até porque tudo acontecia ao redor delas!

    Dois abraços ;)

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  6. Adorei conhecer a cultura local do seu bairro, mas essa frase aqui foi genial mestra! "Não, um dia não é uma vida, o dia é mil vidas. A minha, a dos alunos e a de todos os mortos que precisam ser invocados nas aulas de história!"

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  7. Ser professora e cuidar de criancinhas é um dom... é Vida.
    E a Vida é uma festa que vai além da fogueira.
    Você está ajudando a fazer (e viver...) a história de cada um dos seus aluninhos.

    Abração
    Jan

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  8. Eu fiz magistério, lecionei por 3 meses e foi muito, não tenho vocação para ensinar, é um dom, uma benção, mas tem que ter amor demais, paciência, criatividade e você tem. Eu muitas vezes tento não levar para Marte a minha melancolia, mas faz parte da gente todo e qualquer sentimento e mesmo que escondidos eles estão lá, em nossas palavras. Que as fogueiras de S. João acendam a esperança que fará você deixar a melancolia passar.

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  9. Oi, Pandora!!
    Lecionar tem o seu desgaste e você lidando com turmas de diferentes faixas etárias deve ser bem mais difícil.
    Senti o peso dessa reflexão "um dia não é uma vida, o dia é mil vidas. A minha, a dos alunos e a de todos os mortos que precisam ser invocados nas aulas de história". Às vezes imagino quantas pessoas já morreram, dando seu sangue para a construção da nossa história e vem um incauto dizer que o Brasil não tem história. Ontem estava olhando a árvore genealógica da família, lendo sobre o patriarca e de como era o dia a dia no passado, quando me peguei pensando que daqui uns 100 anos, não mais existirei, nem mesmo na memória da família. Afinal, são poucas as pessoas que se lembram de seus bisavós, imagina os mais antigos...
    As festas de origem religiosa perduram como tradição e também com elas, vem a lembrança de tempos passados, reafirmando alguns fatos e outros caindo no esquecimento. Um acontecimento que para mim não tem mais importância, pode ser de grande importancia na memória de outra pessoa. A vida tem seus pontos de vistas, assim como a história... cada um conta do seu modo.
    A melancolia faz parte, mas não pode deixar que ela se instale e se transforme em depressão. Cuide-se!!
    Bom fim de semana!!
    Beijus,

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  10. Olá Pandora
    Que vida agitada esta sua,que correria como não ficar melancólica, afinal somos humanos e as vezes é bom falar, escrever para descarregar um pouquinho a tensão se não a gente estoura. Hoje não esta fácil ser professor, as crianças de hoje estão cada vez mais agressivos e mal educados, na minha ignorância é o que percebo.
    Adorei seu texto bem descontraído e historia é uma matéria riquíssima. Adorei saber um pouquinho sobre recife.
    Agradeço sua visita e realmente as festas Juninas estão em evolução.
    Um abraço.

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  11. Dona moça, já lhe falei pra chutar o balde dessa fossa. A vida tá complicada e não é fácil, mas sempre é possível ser feliz. Usa teu tempo de folga para dar uma volta, respirar, fazer algo que você goste. Nós cristãos temos uma força motivadora a mais, lembra? Um abraço!

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  12. Lindo te ler. Apesar de melancolia, leveza e ternura em tuas palavras! beijos,tudo de bom,chica

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  13. Poema lindo!
    Percorri todo esse trajeto com vc e fiquei imaginando seu sufoco em lidar com a turma adolescente, inquieta, imortal, que sabem tudo de tudo (?)...não deve ser uma tarefa fácil.

    Melancolia é bom às vezes...dá pra refletir sobre muitas coisas, mudar ou não... escolher ou deixar de lado, enfim, um momento só seu, com todo o direito de sofrer, chorar, reclamar, xingar, ou seja, fazer o que tiver vontade.Mas que não dure por muito tempo.

    Beijos

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  14. Oi Pandora
    Então somos duas kkkkk, ao ver a imagem que o Chris propôs, a maioria das participantes escreveram coisas alegres, só eu escrevi algo melancólico. Aqui no Sudeste não temos tanto o costume de fazermos fogueiras, acho legal esse costume, quero fazer uma em casa mesmo em julho kkkkkk.
    Bjos.

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  15. Minha admiração pelo seu lindo dom!
    Beijo

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