Quando eu vi essa pequena "Antologia Poética de Fernando Pessoa" na livraria e fui magneticamente atraída para ela. Não resistir a cara linda do livro e abusando da liberdade que os meninos que trabalham lá me dão, sentei e comecei a folhear, pensando a cada página: "Mas que pequeno grande livro é esse?".
Tudo bem que eu sou apenas uma fã babona de Fernando Pessoa, não sou especialista, nem coisa do gênero. Altamente suspeita e nada recomendada para avaliar para o bem ou para o mal a obras, mas tenho que dizer que achei cada escolha da Jane Tutikian perfeita.
Imagino que deve ter sido terrível para ela abrir o Eu profundo e os outros Eus, respirar fundo, considerar toda obra completa do homem e escolher apenas poemas suficientes para encher 64 páginas. Imagino que o exercício de escolher esse e não aquele, aquele e não este deve ter exigido uma ginastica mental profunda.
Independente da felicidade ou infelicidade das escolas da Tutikian, sentar e apreciar Fernando Pessoa sempre foi e será uma experiencia enternecedora.
É impossível não se enternecer pensando a respeito de uma ceifeira que mesmo pobre canta:
É impossível não se enternecer pensando a respeito de uma ceifeira que mesmo pobre canta:
"Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida."
Outra impossibilidade é não amar. Como não amar o Alberto Caeiro?
"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás..."
E como não se apaixonar pela milesima vez pelas palavras de um certo Pastor Amoroso?
"O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar."
Como não vibrar com os versos de Álvaro de Campos?
"NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!"
Acho que nunca houve quem me inspirasse a escrita de ridículas cartas de amor...
"Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas."
E no fim ainda há aquele que foi a primeira parte do Pessoa que despertou o meu amor, o Ricardo Reis convidando sua Lídia a vim sentar e ver passar o rio...
"Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos.
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos."