"Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecoas da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo." [Clarice Lispector na crônica "A SURPRESA")
Nunca fui muito amiga dos espelhos, os que tenho em casa ou ganhei ou veio com um móvel ou com a própria casa quando aluguei, mas nos últimos três anos muitas vezes me peguei nessa experiência de vê minha imagem refletida, pensar "então essa sou eu" e fotografar porque em nosso tempo o registo de imagens é quase involuntário. Até hoje pela manhã não sabia nomear a motivação desses registros... agora sei, não é narcisismo, é alegria de ser, é a sensação descrita pela Sylvia Plath em "A redoma de vidro" quando disse: "Respirei fundo e ouvi a batida presunçosa do meu coração. Eu existo eu existo eu existo." (Sylvia Plath).
O que trouxe esclarecimento em relação ao o que é essa sensação de vê a mim mesma refletida foi a leitura da crônica "A Surpresa" de Clarice Lispector. Sim, mais uma vez Clarice! Ano passado eu não sei se vivi ou se li os contos dessa autora sensacional, esse ano minha expectativa era ler tantos romances quanto me fosse possível, mas, como a vida se desenha de formas surpreendentes, me pego lendo "Todas as Crônicas" com esse deleite de próprio de quem se sente entre tesouros.
Na sequência, muitas imagens minhas diante de espelhos onde não vi minha alma refletida e sim meu próprio corpo, a materialidade que comprova que sou, que estou. Sucessões de muitos reflexos meus que comprovam que tal como Sylvia Plath escreveu: "enquanto avançava, eu sentia o coração batendo como um motor surdo nos meus ouvidos. Eu existo eu existo eu existo.".
Geralmente tiro fotos em lojas por serem, de todos os lugares que frequento, os que possuem mais espelhos. É geralmente nesses lugares que minha imagem surpreende a mim mesma.
Tenho quase 40 anos agora, passei por muitos altos e baixos emocionais, financeiros, físicos e tudo mais e continuo existindo.
As vezes um ou outro banheiro de espaços públicos como restaurantes ou shopings também me pegam demais, me pego até sorrindo de mim para mim mesma.
Essa foto foi no dia da exposição do “AKONI: na pele ancestral” que o professor de Geografia da escola realizou em novembro do ano passado. O projeto foi uma exposição fotográfica com nossos estudantes negros homenageando grandes nomes da luta negra por igualdade e representatividade no Brasil e no mundo.
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