Em retrospecto, não faço ideia de como topei com "A redoma de vidro" da Sylvia Plath. Esse foi o tipo de livro com o qual me vi apegada, sem mais nem menos, presa em no congestionamento. De repente lia a Sylvia Plath sem ter ideia da tema de sua história, sem muitas expectativas e sem google ou skoob para ajudar com o sagrado spoiler.
Por sorte, de muitas formas, Sylvia Plath dispensa apresentações. Basta ler o primeiro paragrafo de seu romance para entender a força narrativa dela. Já na entrada ela te da um soco preciso no estomago e de uma vez só você descobre uma escrita limpa, uma autora confiante na capacidade de compreensão do leitor (um risco no qual atualmente poucos autores ousam correr), um conjunto de metáforas precisas e um cuidado exacerbado em não ter pressa de avançar na caminhada ou chegar a reta final.
"Era um verão estranho, sufocante, o verão em que eletrocutaram os Rosenberg, e eu não sabia o que estava fazendo em Nova York. Tenho um problema com execuções. A ideia de ser eletrocutada me deixa doente, e os jornais falavam no assunto sem parar - manchetes feito olhos arregalados me espiando em cada esquina, na entrada de cada estação de metrô, com seu bafo bolorento de amendoim. Eu não tinha nada a ver com aquilo, mas não conseguia para de pensar em como seria acabar queimada viva até os nervos."
O livro é todo escrito em primeira pessoa e através dele conhecemos Esther Greenwood, uma estudante universitária brilhante, capaz de sair do subúrbio para uma prestigiada universidade e consegui um concorrido estagio em uma revista em Nova York. Esther tem tudo para ser um simbolo de ascensão social, exceto, talvez, pelo fato dela não está nada bem. As hipocrisias cotidianas, violências simbólicas, mascaras sociais, pressões culturais impostas as mulheres, angustias cotidianas, medos, solidão e cobranças batem na estrutura psicológica dela dia após dia e consomem as bases de sustentação do prédio todo.
A protagonista se sente como uma criança solitária olhando um desfile luxuoso encabeçado por um Rei nu. A multidão percebe a nudez dele, mas o aclama como se ali houvesse sedas e fios de ouro. Vivem a festa da insignificância, convidam Esther a fazer o mesmo, ela não consegue e definha... Definha... Definha... Definha e vai se desconectando da multidão, da visão do "Rei nu", dos que se sentem como ela... Esther Greenwood sofre de uma feroz depressão.
"Vejam só do que esse país é capaz, elas diriam. Uma garota vive em uma cidade no meio do nada por dezenove anos, tão pobre que mal pode comprar uma revista, e então recebe uma bolsa para a universidade e ganha um prêmio aqui e outro ali e acaba em Nova York, conduzindo a cidade como se fosse seu próprio carro. Acontece que eu não estava conduzindo nada, nem a mim mesma."
De página em página acompanhamos o definhar dela. Passo a passo como ela se desconecta de tudo e todos. Como vai se perdendo de si, como a falta de sentido vai criando uma cerca de uma ponta a outra da consciência. Como lentamente desce sobre a protagonista uma verdadeira redoma de vidro e de repente o próximo fica distante, tudo e nada viram a mesma coisa para ela.
O texto da Sylvia Plath é angustiante, poético, sem rodeios ou subterfúgios, mas não é dramático. Eu chorei escrevendo essa resenha, mas não lendo. Ela não apela, não romantiza ou dramatiza, apenas expõe a verdade de seus sentimentos. Este é um relato autobiográfico da vida e dos sentimentos da própria Sylvia Plath. Após a leitura, descobri que ela foi uma importante poetiza americana e também habitou o doloroso mundo da redoma de vidro, no verão de 1952 tentou o suicídio e passou pelo doloroso processo de ser internada em uma clínica psiquiátrica.
"Me sentia muito calma e muito vazia, do jeito que o olho de um tornado deve se sentir, movendo-se pacatamente em meio ao turbilhão que o rodeia."
"A redoma de vidro" é um relato sincero, leal, cru, nada dramático, mas doloroso sobre depressão, as situações nas quais a doença coloca a pessoa e como a sociedade reagia com desconhecimento e preconceito na década de 1950. Desnecessário dizer o quanto o texto permanece atual.
"Eu via os dias do ano se estendendo diante de mim como uma série de caixas brancas e brilhantes, separadas uma da outra pela sombra escura do sono. Só que agora a longa perspectiva das sombras, que distinguia uma caixa de outra, tinha subitamente desaparecido, e eu via os dias cintilando à minha frente como uma avenida clara, larga e desolada até o infinito."
É doloroso ver como a família não compreende, eles acha que Esther está naquela situação porque quer, é revoltante como existia (desconfio que ainda existam) uma gama de profissionais mal preparados para cuidar das pessoas, é desconfortável a intervenção dos religiosos, foi duro está dentro da cabeça de alguém terrivelmente deprimido. Depressão não é simplesmente uma tristeza repentina, é mais profundo, castrátivo, perigoso, letal.
"... odeio gente que pergunta como você está e, mesmo sabendo que você está na pior, espera que você responda 'tudo bem'. - Estou péssima."
Esse é o tipo de livro feito para marcar e informar. É o relato de alguém que viveu a depressão e foi tragada por ela até não sobrar nada, sem ser didático, ele esclarecesse muito sobre o tema. Como Sylvia Plath cometeu suicídio pouco depois de ter concluído esse livro considero ele como um ultimo ato de generosidade a todos nós. Ler esse texto nos da a oportunidade de ter uma ideia de como é sofrível está deprimido.
Com sua escrita precisa Sylvia Plath diz que as pessoas não ficam deprimidas por desejo ou necessidade de chamar atenção. Não é voluntário, não é brincadeira, não é uma tristeza corriqueira. Depressão é uma DOENÇA, é REAL, MATA. Uma pessoa depressiva precisa de compreensão e ajuda profissional e não de julgamentos.
"Para uma pessoa dentro da redoma de vidro, vazia e imóvel como um bebê morto, o mundo inteiro é um sonho ruim.Um sonho ruim. Eu lembrava de tudo. (...) Talvez o esquecimento, como uma nevasca suave, pudesse entorpecer e esconder aquilo tudo. Mas aquilo tudo era parte de mim. Era minha paisagem."
Respirei fundo e ouvi a batida presunçosa do meu coração. Eu sou, eu sou, eu sou.
Nunca é demais lembrar: depressão é um problema de saúde pública. Não sou uma pessoa de muitas certezas, mas suspeito: todos nós devíamos fazer o exercício de lembrar o quanto depressão mata e encarar com seriedade o sofrimento psicológico e o quanto ele é REAL e PERIGOSO.
Setembro é marcado pela campanha "Setembro Amarelo" através da qual se busca conscientizar sobre a prevenção do suicídio, para saber mais da uma olhada no site clicando AQUI.
Setembro é marcado pela campanha "Setembro Amarelo" através da qual se busca conscientizar sobre a prevenção do suicídio, para saber mais da uma olhada no site clicando AQUI.
O CVV – Centro de Valorização da Vida – realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail, chat e Skype 24 horas todos os dias.
Por fim, gostaria de agradecer a Sylvia Plath por ter tido força suficiente para escrever esse livro antes de partir. Esse é o tipo de livro fundamental, em todas as bibliotecas do mundo deveria haver um exemplar dele. Se eu fosse fazer uma lista de 10 livros que todos deviam ler ele estaria nela.
que incrível. eu só li dela poemas esparsos. sem ler um livro. anotadíssimo. beijos, pedrita
ResponderExcluirOi, Pandora!
ResponderExcluirEu não conhecia esse livro até ele meio que ter sido base de um outro livro com o mesmo assunto: depressão. Eu já queria ler, mas depois dessa resenha maravilhosa, eu vou subir ele na lista.
Beijos
Balaio de Babados
Participe do sorteio de aniversário do Balaio de Babados e O que tem na nossa estante
Olá, tudo bom?
ResponderExcluirEu adorei a sua resenha.
Não conhecia o livro, mas fiquei com vontade de ler.. Esse assunto é algo que deve ser falado, não só em setembro, mas em todas as épocas do ano.
Beijos
5 O'clock Tea
Oi Pandora! Eu já vi o livro antes, mas não sabia nada sobre a história. Gostei muito do que li na sua resenha e lembre de um que li intitulado O Papel de Parede Amarelo, pois a situação das protagonistas é tão complicada que sufoca até o leitor.
ResponderExcluirBjos!! Cida
Moonlight Books
Oi! Não conhecia o livro e nem a autora, mas a mensagem que ele carrega é bem forte, ainda mais por contar sobre fatos reais. E a resenha serviu perfeitamente para o mês onde que trata da prevenção do suicídio. Depressão é algo sério e que devia ser bem tratado. Bjos ❤
ResponderExcluirClick Literário
Olá, Pandora.
ResponderExcluirEu confesso que não conhecia esse livro ainda. Mas acho o assunto mais do que necessário em ser discutido por isso se tiver uma chance lerei. Ainda mais por apresentar como a pessoa chegou aquilo e não só mostrar quando a pessoa já se matou. Eu quase perdi uma prima para a depressão e sei como é, as pessoas dizem que é frescura e por ai vai.
Prefácio
Oi, Pandora!
ResponderExcluirJá tinha ouvido falar desse livro, mas admito que nunca soube bem do que se tratava. Fiquei muito interessada em ler depois da sua resenha! Parece ser muito tocante.
Beijos,
Isa
http://viciadas-em-livros.blogspot.com.br/
Oi Pandora!
ResponderExcluirConhecia a autora só de nome, não conhecia a história dela com a depressão. Esse livro parece ser mesmo incrível, quero ler.
Beijos,
Sora | Meu Jardim de Livros
Oie. Vi sua resenha lá no Skoob e vim aqui ler ela toda. Gostei muito!
ResponderExcluirTambém vou publicar uma resenha sobre ele amanhã. Eu me senti até deprimida escrevendo, quase como me senti lendo há um tempinho atrás. É de fato muito carregado! E acho que descreve a depressão como nenhum outro, não é?
Beijos!
http://www.cafeidilico.com/
Eduarda muito obrigada por sua visita! Concordo com você que ele descreve a depressão como nenhum outro, é muito carregado.
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