As Mais Belas Fabulas, vol 1: Sempre Despertas

Não consigo deixar de me surpreender com a resiliência de velhas histórias medievais. Algumas delas tem a capacidade de se entrelaçar na mente e no coração das pessoas e serem assim passado de geração a geração de várias formas e sendo constantemente modificados no caminho. Algumas vezes as histórias são suavizadas, outras aprofundadas, mas permanecem sendo contadas e recontadas.

Talvez por esse meu estado de surpresa contante com a resiliência dessas histórias, fiquei maravilhada quando descobrir o trabalho do roteirista Bill Willingham na série de HQs "Fábulas" publicadas pelo selo Vertigo da DC Comics. Na série ele explora os contos de fadas de diversas culturas diferentes.

Partindo do pressuposto que um Adversário com ambições ditatórias se ergueu nas "Terras Natais" das fábulas ele imaginou vários que os vários personagens famosos das histórias infantis fugiram de suas casas ancestrais e se refugiaram aqui nas "Terras Mundanas". Assim Branca de Neve, Rosa Vermelha, Cinderela, Bela Adormecida, Príncipe Encantado, Bela da Fera, Fera, Lobo Mal, Bruxas Más, Elfos, Duendes, Gigantes, Dragões, Cachinhos Dourados passam a viver aventuras e desventuras entre nós em dilemas bastante humanos.

"As Mais Belas Fábulas" é a série spin-off de "Fábulas" na qual a trajetória das fábulas femininas são exploradas com maior vigor e suposta exclusividade. Foi publicada no Brasil em seis volumes, sendo 5 encadernados e um livro de contos. "Sempre Despertas" é o volume 1 desse conjunto e nele encontramos uma aventura da Bela Adormecida, entrelaçada com da Rainha da Neve, um Diabrete da Garrafa muito inteligente e Ali Babá.

A história narrada aqui começa quando Ali Babá, instruído pelo Diabrete da Garrafa, acorda tanto a Princesa Aurora, Bela Adormecida, quanto a Rainha da Neve com o popular "Beijo do Amor Verdadeiro". O problema é que a senhora da Neve é uma criatura um tanto furiosa e se lança contra Aurora e o ladrão mais famoso de todos os tempos. Claro, eles se juntam numa fuga desesperada em meio a neve e nesse meio tempo vão repensando suas histórias originais e a essência do que são.

Quando os personagens criados por Bill Willingham começam a repensar as suas narrativas originais é exatamente o momento no qual as histórias crescem e os dilemas humanos começam a ser abordados, paradigmas começam a ser questionados, os contos de fadas deixam o universo infantil se e tornam instigantes de uma forma muito original. Nesse fluxo de pensamento descobrimos o quanto quanto aparências enganam enquanto questionamos a vilania de uns e o heroísmo de outros.

A HQ é visualmente espetacular! Phill Jimenez, Andy Lanning, Matthew Sturges arrasaram na mescla entre elementos opostos como Mundo Árabe Oriental e o Mundo Medieval Ocidental e paisagens de verão com cores quentes e paisagens inverno com cores frias. A forma como as histórias de Ali Babá, da Bela Adormecida e episódios da vida da Rainha da Neve são preenchidos com cores e tons menos infantis e mais complexos também agrada demais.

O ponto fraco é como o protagonismo das mulheres proposto inicialmente perde espaço ao longo da narrativa para o de Ali Babá e do Diabrete da Garrafa. Foi frustrante ver o Diabrete da Garrafa se posicionar como alguém que sabe mais sobre as duas personagens femininas que elas mesmas, há muitos conflitos entre mulheres poderosas e tanto a Rainha da Neve quanto a Bela Adormecida não se descobrem, elas vem suas histórias serem reveladas pelo Diabrete. Eu preferia ver uma história de autodescoberta das duas e definitivamente não ver o Diabrete dando lições clichês sobre a inconstância do amor a Bela Adormecida no final de tudo.

Faltou a "Bem Despertas" uma roteirista mulher. Por excelente que seja o trabalho de Andy Lanning e de Willingham, uma mulher contando uma história sobre mulheres talvez fosse mais exitosa em construir uma história coerente com a realidade de ser mulher, na qual princesas, rainhas ou plebeias descobrem suas origem através de suas experiências, com mulheres se ajudando (afinal no mundo real quem socorre mulher geralmente é outra mulher) e um protagonismo feminino consistente e inquestionável.