quarta-feira, 10 de setembro de 2025

"Sou uma Pergunta" [Provérbios de Clarice Lispector 002]

Acabei de termina as crônicas de "Todas as Crônicas" de Clarice Lispector referentes ao ano de 1971 e é sempre uma mistura de satisfação diante de fechar um ciclo de leitura e saudades. Falta tão pouco para terminar... em fevereiro pareciam tantos os textos.

Assim como 1971 passou, o ano de 2025 também está passando, muitas vezes passando por cima de mim, mas passando. E hoje decidi trazer umas das crônicas que transpira candura e franqueza. Um conjunto de 101 perguntas, algumas respondíveis outras nem tanto. As perguntas me inquietaram, me fizeram pensar. Algumas foram um soco no estomago, outras me fizeram sorrir. Umas respondi automaticamente em um impulso que herdei da criança metida a sabichona que fui um dia outras me intimidaram pois como pessoa adulta entendo que certas coisas possuem camadas e mais camadas de mistério. O conjunto delas me fez amar ainda mais Clarice Lispector.

SOU UMA PERGUNTA

Quem fez a primeira pergunta?
Quem fez o mundo?
Se foi Deus, quem fez Deus?
Por que dois e dois são quatro?
Quem disse a primeira palavra?
Quem chorou pela primeira vez?
Por que dois e dois são quatro?
Quem disse a primeira palavra?
Quem chorou pela primeira vez?
Por que o Sol é quente?
Por que a Lua é fria
Por que o pulmão respira?
Por que se morre?
Por que se ama?
Por que se odeia?
Quem fez a primeira cadeia?
Por que se lava a roupa?
Por que se tem seios?
Por que se tem leite?
Por que há o som?
Por que há o silêncio?
Por que há o tempo?
Por que há o espaço?
Por que há o infinito?
Por que eu existo?
Por que você existe?
Por que há o esperma?
Por que há o óvulo?
Por que a pantera tem olhos?
Por que há o erro?
Por que se lê?
Por que há a raiz quadrada?
Por que há flores?
Por que há o elemento terra?
Por que a gente quer dormir?
Por que acendi um cigarro?
Por que há o elemento fogo?
Por que há o rio?
Por que há gravidade?
Por que e quem inventou os óculos?
Por que há doenças?
Por que há saúde?
Por que faço perguntas?
Por que não há respostas?
Por que quem me lê está perplexo?
Por que a língua sueca é tão macia?
Por que fui a um coquetel na casa do Embaixador da Suécia?
Por que a adida cultural sueca tem como primeiro nome Si?
Por que estou viva?
Por que quem me lê está vivo?
Por que estou como sono?
Por que se dão prêmios aos homens?
Por que a mulher quer o homem?
Por que o homem tem força de querer a mulher?
Por que há o cálculo integral?
Por que escrevo?
Por que Cristo morreu na cruz?
Por que minto?
Por que digo a verdade?
Por que existe a galinha?
Por que existem editoras?
Por que há o dinheiro?
Por que pintei um jarro de vidro de preto opaco?
Por que há o ato sexual?
Por que procuro as coisas e não encontro?
Por que existe o anonimato?
Por que existem os santos?
Por que se reza?
Por que se envelhece?
Por que existe o câncer?
Por que as pessoas se reúnem para jantar?
Por que a língua italiana é tão amorosa?
Por que a pessoa canta?
Por que existe a raça negra?
Por que é que eu não sou negra?
Por que um homem mata outro?
Por que neste mesmo instante está nascendo uma criança?
Por que o judeu é raça eleita?
Por que Cristo era judeu?
Por que meu segundo nome parece duro como um diamante?
Por que hoje é sábado?
Por que tenho dois filhos?
Por que eu poderia perguntar indefinidamente por quê?
Por que o fígado tem gosto de fígado?
Por que a minha empregada tem um namorado?
Por que Parapsicologia é ciência?
Por que vou estudar Matemática?
Por que há coisas moles e há coisas duras?
Por que tenho fome?
Por que no Nordeste há fome?
Por que uma palavra puxa outra?
Por que os políticos fazem discursos?
Por que a máquina está ficando tão importante?
Por que tenho de parar de fazer perguntas?
Por que existe a cor verde-escuro?
Por quê?
É porque.
Mas por que não me disseram antes?
Por que adeus?
Por que até o outro sábado?
Por quê?

Jornal do Brasil, 14 de Agosto de 1971.

Nenhum comentário:

Postar um comentário