sábado, 19 de fevereiro de 2022

O Morro dos Ventos Uivantes de Emily Brontë [40 Livros Antes dos 40/4]

Li "O Morro dos Ventos Uivantes" no final de 2021, passei pela estante, avistei ele e me perguntei: "Quantas vezes vou precisar ler esse livro para decidi se gosto ou não dele?". Quanto mais as leituras se somam umas as outras mais me absurda a genialidade feroz da Emily Brontë e sua capacidade de descrever a perfeição a crueldade, intensidade, passionalidade e imprevisibilidade das pessoas moldadas por relações abusivas, desconhecem outra forma de sociabilidade e em grande medida rejeitam e desprezam qualquer coisa longe disso.

Mesmo agora não consigo definir com clareza meus sentimentos em relação a Catherine & Heathcliff. Dentro do meu coração "O Morro dos Ventos Uivantes" permanece sendo um conto de terror mais sombrio, oposto simétrico do conto de amor mais luminoso contido em "Orgulho e Preceito". Assim como Jane Austen, Emily Brontë é seminal em minha trajetória de leitora, parte do Yin Yang de minha personalidade construída em torno de aproximações de opostos.

Em "O Morro dos Ventos Uivantes" Emyli Brontë nos conta a história dos Earnshaw, uma família proprietária de terras no interior da Inglaterra oitocentista que não podia ser outra coisa senão patriarcal, com os membros se relacionando de forma hierarquicamente desigual e contando com vizinhos, agregados e empregados como dependentes/membros subalternos a família. A história de Haethcliff e Catherine acontece dentro da história dessa família. Catherine sendo filha legitima de um senhor de terras, Heathcliff um membro adotado, trazido para dentro de casa pela força do Pater familias, proprietário das terras e pessoas contidas nelas.

A forma como o velho Sr. Earnshaw trouxe de uma de suas viagens a Liverpool, embrulhado em um sobretudo dobrado nos braços "um menino sujo e maltrapilho de cabelos negros, grande o suficiente para andar e falar", me lembra a forma como no livro "Helena" de Machado de Assis o Conselheiro Vale introduz a Helena em casa: sem aviso prévio, sem esperar outra coisa além da aceitação do núcleo familiar, afinal em uma família patriarcal oitocentista, em qualquer lugar do mundo Ocidental, todo o poder pertence ao Pai e cabe aos outros membros da família aceitar tais vontades sem exigir explicações adicionais.

Como o Sr. Earnshaw não carecia de explicar nada a nenhum dos membros da família sobre a origem do menino, nenhuma explicação temos sobre origem. A Sra. Earnshaw recebe do seu marido apenas a sentença: "Olhe aqui, mulher. Nunca fiquei tão cansado com nada na vida. Mas você tem que receber isso como uma dádiva de Deus, apesar de ser quase tão escuro como se tivesse vindo do diabo.". Sendo assim introduzido dentro da família, o menino recebe o nome igual ao do filho morto da família (Heathcliff), mas nenhum sobrenome. O menino não é branco, mas qual a origem étnica dessa criança? Cigano, afrodescendente, indígena, indiano? Mistério! No entanto, independente da origem étnica, dentro da ordem familiar o destino da criança está traçado, ele está em uma posição subordinada, quando o Velho Senhor for substituído pelo Novo ele deve de submeter a sua autoridade ou se rebelar.

A não aceitação de Heathcliff de um papel subordinado, desde a infância, é um dos pontos a movimentar a trama. Ele constrói um forte vinculo afetivo com Catherine, a filha única da família, desde a infância atravessando a adolescência e vida adulta. Um vinculo forte, destemido, não hierarquizado, extremamente passional, com forte potencia para desembocar em tragédia dado o fato de nenhum dos dois ter habilidade para meias palavras, meios termos, meias medidas, meios sentimentos. Explosivos e desmedidos, vivem isolados no mundo pequeno de uma vida doméstica abrasiva.

A forma como a Emily Brontë embala esse amor atroz, capaz de sobreviver a distancia, ao frio do inverno, ao verão mais iluminado e até mesmo a morte é muito envolvente, mas também pesada. Em mim, esse é um livro sempre atordoante, vem leitura, vai leitura e sempre tem aquele pedaço do livro que paro e sinto, desaprendo a pensar. Bate uma angustia... Os personagens são pessoas difíceis, absurdamente distantes de qualquer modelo de ternura, capazes de sobreviver a atrocidades para praticar atrocidades ainda maiores e confessa-las sem pudor.


Conhecemos a história de Cath e Heathcliff através da narrativa de Nelly Dean enquanto ela conta tudo a um homem entediado e um pouco fútil que se isola por vontade própria no interior da Inglaterra em busca de alguma aventura bucólica e encontra os piores vizinhos de todos os tempos. Nelly conhece a história toda pois participa desde a sua infância da vida dos Earnshaw, primeiro como filha da empregada e depois como empregada. Já tive vários sentimentos em relação a Nelly ao longo das últimas duas décadas: simpatia, ranço, indiferença, ódio. Hoje acho ela um personagem fundamental para a história, não só narradora como cumplice, amiga, traidora, confidente, empregada, alvo de pequenas vinganças. Ela é quem melhor aceita seu papel na hierarquia familiar. Nelly é uma mulher trabalhadora desde a infância e aceita isso com muita naturalidade, não questiona e dentro desse papel avança e é quem definitivamente alcança um final feliz.

Há outros personagens na história responsáveis por fazer desfilar diante de nós alcoolismo, violência, negligencia paternal, formas destrutivas de dialogo com o luto, hipocrisia religiosa, vícios e mais vícios, vingança... Há momentos nos quais a gente ler o livro e pensa: "O inferno está vazio e os demônios estão aqui.". É cobra comendo cobra, fortes emoções são sempre garantidas quando se ler Emily Brontë e esse livro não envelhece porque a sociedade ocidental continua machista, hierarquizada, desigual e naturalizando todo tipo de violências contra a infância e as mulheres, engolindo as pessoas e as adoecendo. A própria Emily foi uma pessoa adoecida por uma vida domestica complicada e um mundo atroz.

Mais uma vez concluo a leitura de "O morro dos ventos uivantes" pesada! Ele integra a lista dos 40 Livros Antes dos 40 Anos e essa edição foi chegou a minha casa através da parceria com a  Mylena estando entre os Livros Recebidos em Setembro de 2021. Deixo também meu obrigada a Lion, sempre uma companhia maravilhosa para todas as leituras.

4 comentários:

  1. Oi Pandora , tudo bem?
    Conhecia de forma superficial a trama do livro; Leio muitos comentários sobre a relação de Catherine & Heathcliff, mas ainda não tive coragem de ler o livro.



    *bye*
    Marla
    https://loucaporromances.blogspot.com/

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  2. Oi, Jaci, boa noite,

    Este livro é realmente impactante. Já li que a Emily Brönte trabalhou como governanta (ou serviçal) durante um tempo, então ela conhecia bem o 'terreno' em que a Nelly se movia . O Heathcliff, após a morte de seu protetor, teve que enfrentar muito abuso e muita humilhação, né? As coisas naquela época, quero dizer, a estrutura social e moral, os costumes, tudo era muito rígido e isso predispunha ou dava causa aos efeitos radicais de violências ou extremismos, que a gente vê nessa obra.
    Que bom que você tem lido esses clássicos e refletido nas estórias deles. Com certeza obterá benefícios dessas leituras.

    Beijo e boa semana

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  3. Olá Jacilene!
    Ainda não li este livro e agora fiquei ainda com mais vontade de ler! :)
    Gostei muito da resenha, apesar da dúvida entre o gostar e não gostar, penso que um livro que nos faz pensar é um bom livro :)
    Beijos
    https://escritosdemartasousa.blogspot.com/

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  4. Olá, Pandora.
    Eu não gostei. Li esperando uma história de amor e encontrei tudo menos amor. Acho que as expectativas estavam altas demais. Não consegui gostar de nenhum dos personagens e terminei o livro arrependida de ter lido ele na verdade.

    Prefácio

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