quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Educação Infantil: entre a magia e a dureza da vida!.

Pois é, todo mundo sabe que Educação não é uma das dez aréas mais legais para se trabalhar no Brasil... Dãh... Todo mundo que trabalha com Educação sabe disso desde o primeiro momento que decide seguir por esse caminho... Mas, nós somos idealistas, cheios de energia... e sim, queremos mudar o mundo...

Há quem diga que não há idealismo que resista a prática pedagógica. A rotina da sala de aula é incansável, só que nós não somos... Nós cansamos... minguamos, somos vencidos pelos problemas cotidianos e ser vencido é sempre frustrante, porém, não duvide do poder de um ideal... Ele é forte viu! Não sou a mesma idealista que era a cinco anos atrás, contudo ainda há muito idealismo para ser ressignificado por aqui!

Enfim, Educação Infantil tem coisas boas, muitas coisas boas... Por exemplo:

Você chega cheia de olheiras, mais pra lá do que pra cá... E então escuta aquele "Tiaaaaaaaaaaaaaaaaa..." E todo mundo pula em cima de você como se vc fosse o último biscoito do pacote! Loucura total, se vc não voltar a vida como uma Fénix então desista!!!

Também tem aquela situação clássica: final de expediente, morta de cansaço, descabelada, suja de sopa (pq quando vc tem dois anos é normal derramar sopa por todo lado e isso inclue a saia da tia, o cabelo da tia, a camisa da tia, a tia como um todo...), vc pensa que tá mal, muito mal, ai vem um pirrainho daqueles olha pra vc e diz: "Tia tu é linda!". Aí o que vc faz? Se joga, mata o menino de chero e o mundo fica perfeito novamente!!!

E os momentos únicos de congelamento estarrecido diante de certas atitudes??? Pense na cena: um pequeno do alto dos seus dois anos de idade acorda no meio da soneca da tarde e pede para fazer chichi, vai no banheiro, tira a torneirinha, fez seu chichizinho, balança o lindo goguinho, guarda, da descarga, lava as mãos, enxuga, olha para você, informa: "Sou homem tia!" e volta a deitar. Confesso que se meu queixo não estivesse no chão eu ia ter dito: "Que conversa é essa??? Você é bebê!!!"

É, tem coisas boas, muitos beijos, muitos afagos, as brincadeiras, o descobrir da fala, o descobrir do corpo, o amor verdadeiro... é muito doce, apesar de cansativo. Eu sou apaixonada por Educação Infantil, de todos os universo pedagógicos que eu frequento esse é o mais desestressante... É legal trabalhar com adolescentes, é legal trabalhar com formação de professores, mas trabalhar com Educação Infantil é mágico!!!

Só que tem coisas ruins... Tem coisas péssimas.... Tem coisas muito dolorosas... A vida não é fácil para ninguém, mas perceber que tem pessoas que começam a sofrer antes de saber falar a palavra "sofrer" machuca um pouco.

Crianças mal cuidadas, pais que parecem adolescentes, senão crianças, que não tem senso de higiene pessoal, que vivem abaixo da linha da pobreza... que sofrem com fome, descaso e exploração e passam esse legado aos filhos... Cresceram sem perspectiva, vivem sem perspectiva e educam seus filhos no mesmo caminho...

Mães e Pais muito rudes... que só receberam rudeza da vida e só respondem a vida com mais rudeza... e eu sou parte da vida deles, nós (tias e tios) somos parte da vida deles, a parte que só é tratada aos gritos, que tem que medir até onde devemos ser gentis e até onde devemos nos impor... o limite sútil que existe entre o "Eu te entendo..." e o "Me respeite...".

Mães que trabalham muito e pesado, que não tem marido, atrasadas, eternamente atrasadas. Já me incomodei muito com atrasos, hoje levo com tranquilidade, espero, tenho paciência... Simplesmente é necessário entender que algumas patroas simplesmente não entendem que as suas empregadas também tem família e precisam pegar o filho na creche as 5:30 da tarde então largam as empregadas de seis da tarde... Também é preciso entender que algumas mães trabalham vendendo doces em terminais de integração do outro lado da cidade, não tem ajuda nenhuma de homem algum, contam apenas com a creche... Atrasos não me estressam mais...

Muita coisa não me estressa mais, nem minha chefe que fecha meu ponto se me atraso mais que 15 minutos (não só o meu, mas de todo mundo) e que esquece de olhar os problemas estruturais que temos na sala, de olhar a forma como os pais nos tratam, de garantir que exista dentro da creche uma gestão democrática!!! Nem a Gerência de Educação Infantil da cidade do Recife que se importa demais com a parte da legislação que fala de horários e de menos em nos garantir um salário digno de nossa enorme responsabilidade e coisas básicas como um plano de saúde me tiram do sério mais...

Porém, no entanto, todavia... tem coisas que não dáh para engolir em seco... Existe um limite para todos nós, um limite do suportável!! E esse limite para mim é quando vejo uma criança em estado de sofrimento, doente, as doenças infantis são um limite para mim... ai não tem ignorância de pai certa, rudeza certa... chefe certa... ou burrice certa da minha parte...

Quando entrei na creche, há quatro anos atrás, as meninas que trabalhavam na minha classe reclamavam que os pais procuravam machucado no corpo dos filhos e pediam explicações... Hoje, quatro anos depois, os pais é que reclamam pq nós estamos de olho neles... Os pais é que chegam explicando o que aconteceu com os filhos... E tanto eu quanto Go, ou tanto Go quanto eu (não sei qual das duas é mais chata com esse assunto) pegamos no pé, e pegamos menos do que devíamos, acredite, poderíamos ser mais chatas e não somos.

Essa semana, depois do feriadão do Dia da Republica aconteceu um fato interessante a esse respeito, digno de nota... Na volta desse feriado, na terça, Gô percebeu na hora do banho um ferimento estranho no bumbum de uma de nossas crianças... Bem, esse tipo de coisa não dá para passar. Qualquer pessoa sã sabe disso... Passou milhares de coisas por nossas cabeças, não vou mentir... É só ver o noticiário e qualquer um entende o que quero dizer... Mostramos o ferimento a nossa coordenadora pedagógica e ela disse para mandar o pai levar a criança na pediatra e trazer um parecer dela, não somos médicas... Tudo bem... 

Go me pediu para falar com o pai, e lá fui eu... Pacientemente conversei, expliquei, combinei... "Vá na pediatra para ela vê o que é isso... traga a receita... traga o parecer dela... Precisamos saber do que se trata!" Gente eu falei com ele com toda a paciência do mundo... Ele me disse que levaria na pediatra do posto de saúde que tem ao lado da creche onde nossas crianças são atendidas sem marcação de consulta... É só chegar comprovar que é da creche e pronto...

Enfim, ficamos tranquilas, conhecemos a pediatra, confiamos na pediatra (muito não, mas eu sou chata e não confio muito nem em mim)... Enfim, quando cheguei na creche ontem perguntei pela receita as meninas da manhã e qual não foi a surpresa!!! O pai não foi na pediatra... Não fez nada do que combinamos, meu sangue subiu a cabeça... Fiquei contando os minutos para ver o dito... E quando ele chegou me ouviu... me ouviu muito... Confesso que exagerei um pouco, no meio da conversa a esposa dele alterou a voz para mim, eu me alterei a voz para ela, não devia ter me alterado, perdi o controle.

Hoje a coordenadora pedagógica venho falar comigo, disse que os pais se queixaram da "ignorância da tia"... Que nós temos que manter um padrão de comportamento, que não podemos nos alterar com os pais... Blábláblá... Mas vou contar uma coisa a vocês, não me importo de ser chamada de ignorante, não me importo nem mesmo de ser ignorante... Até pq depois de ter sido ignorante com eles, os dois trataram de levar o menino na pediatra, ela esclareceu que o ferimento tratava de um sintoma de um germe de cachorro, receitou tratamento e os pais iniciaram hoje mesmo.

E esse para mim é um dos lados mais duros da Educação Infantil: tem mãe e pai que só faz o que é necessário, o básico, quando vc sai da linha, é necessário que vc acumule uma fama de ignorante para que um direito básico da criança seja respeitado por seus próprios pais.

Confesso que eu adoraria que os pais me ouvissem quando falo sorrindo, com voz doce e rosto amável, mas também confesso que se for preciso ser tachada de "ignorante" para garantir que uma criança faça tratamento médico, use roupas razoavelmente limpas e seja bem tratada eu vou ser "ignorante" até dizer basta! 

Ah, também confesso que não sou tão ignorante assim, antes fosse... metade disso tudo é fama... eu sou um pouco chata, confesso... SÓ QUE:

Ignorância é que eu aguento dos pais todos os dias. Ignorância é a gestora me dizer que três atrasos e eu terei uma falta, ignorância é as infinitas infiltrações no banheiro, ignorância é um aumento porco todo ano... ignorância é vc ficar três dias com seu filho e deixar ele pegar germe de cachorro!!! Ignorância é vc gritar com uma pessoa que quer apenas que vc leve seu filho no médico!!! Isso é ignorância!!!

___________
O post ficou grande demais... mas eu precisava falar!

8 comentários:

  1. A realidade de muitas instituições de ensino por ai isso,realmente revoltante algo tem que mudar e eu quero estar vivo para ver essa mudança....

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  2. Ficou grande não menina ficou comovente o seu desabafo admiro sua garra e sua dedicação... Parabens pela sua profissão e dedicação!

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  3. Oi flor. Acho que nunca comentei, mas meu pai teve uma escola durante os primeiros 26 dos meus 28 anos de vida. Vivi no ambiente escolar minha vida toda e vi de tudo Tinhamos que lidar com greve de professor, dividas e mais dividas, mas o pior eram sempre os pais. Por que em colegio particular voce tem um agravante: eles pagam (ou deveriam, mas isso e outra historia). e isso faz com que acreditem ter direito a tudo. Ate a desrespeito. E quando casos como o que voce contou aconteciam, com pais como esses, nem a bronca resolvia.
    Como crianças mimadas sendo contrariadas, eles empinavam o nariz e levavam a bola (criança) deles embora. E mantinham o ciclo, e o sofrimento da criança pelo orgulho, por não aceitar que de fato, uma pessoa que passa mais horas de qualidade com seu filho que voce, possa estar certo.
    Ignorancia não tem a ver com dinheiro, tem a ver apenas com exemplo. Sorte dessas xrianças terem pessoas que se preocupam com elas como voces para lembrarem no futuro "ah, mas a tia se preocupava comigo. Quero ser igual a ela"

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  4. Jaci, às vezes é preciso mesmo partir para a ignorância.
    bjs
    Jussara

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  5. Me emocionei demais da conta... Que saudade da sala de aula, mas, acima de tudo compro seu desabafo e compartilho com você!
    Beijos no coração

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  6. Também tenho a mesma profissão que a sua e trabalho com crianças de 0 a 3 anos, não há nada mais gratificante do que estar ao lado desses pequenos. Entendo plenamente seu desabafo, costumo dizer que os pais perderam sua função para a escola, já não precisam assumir as responsabilidade dos filhos porque a instituição o faz por eles, na minha opinião há uma completação desvalorização da carreira do magistério de um modo geral, porém muito sentido pelos professores de educação infantil que não são vistos como reais educadores, principalmente pela família dos atendidos. Exerceu seu pleno papel de educar e cuidar simultanemente, visando sempre o bem-estar da criança, mas infelizmente não conseguimos obrigar aos pais a amarem seus filhos...E ainda mais fazerem com que entendam que a responsabilidade pertence a eles eternamente e não pode ser delegada a uma instituição por melhor que seja. O importante é o que fazemos pelos pequenos mesmo quando não é reconhecido.

    Bjus

    Ps: tem uma brincadeirinha pra vc lá no blog...

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  7. Quando saio pra dar aula sempre me pergunto porque não fiz outra coisa na vida... saio reclamando até chegar na porta da escola... quando os meus alunos já na quadra esportiva me veem chegar começam a gritar e pular de alegria... nessa hora todas as dúvidas e reclamações vão embora. Quando minhas alunas me procuram pra contar que estao sofrendo por amor (que fofo... e vai dizer que não é amor) e choram pelo ditos cujos que não correspondem ao amor delas eu me sinto tão bem de poder ser esse ouvido que muitas delas não tem em casa.

    Mas é difícil o dia a dia... muito difícil... se você me perguntar se eu sofri bullying na infância ou adolescencia eu vou dizer que sofri... mas nunca sofri tanto enquanto adulta e já educadora. Todo o dia tenho que lidar com isso... com alunos que formam turmas para criticar os professores... se juntam aos bandos... e falam da sua roupa, do seu modo de andar de tudo. Gritam com você... certa vez um levantou a voz pra mim e como se não bastasse se levantou e me desafiou. E eu te pergunto: cadê a lei que funcionário público não pode ser destratado no seu local de trabalho? Ela não funcionada com adolescentes? Pelo visto não.

    E eu sou chata, ignorante ou seja lá o que for... é tanto que sou uma das professoras que pouco sofrem com atitudes como essas. E o que a gente pode fazer? Só ser cahat mesmo... porque a ultima professora que fez alguma coisa não está mais entre nós para contar a história. É minha amiga... ensino público.

    AbraçoZzz

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  8. O que mais me encanta nos profissionais da educação é nunca perderem a esperança de ver as coisas mudarem... Minha filha trabalha com crianças de 0 a 9 anos desde o início do ano e o estado de espírito dela é muito semelhante ao seu.Sofre com a situação de carência das crianças e sempre se encanta com os seus carinhos... Vou repassar o teu post para ela aprender a ser ignorante assim... rsrs.

    Bjs.

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