Era uma vez uma pessoa mergulhada em um momento de total bad vibe. Passeando pela floresta do alheamento ela decide fazer algo inusitado. Mas, qual seria esse algo?
Passear no parque?
Assisti uma comédia no cinema?
Ir a praia com as amigas?
Nãooooooooooooooooooooooo!
Nada disso!
Isso tudo não convém!
Ela vai ler uma das tragédias mais famosas dos últimos séculos!
Meu desejo de ler "Hamlet: príncipe da Dinamarca" não é recente. Essa edição chegou até mim em 2011 através de uma brincadeira de troca-troca de livros entre blogueiros e quando eu o o Alexandre do #DoQueEuLeio começamos a falar sobre ler algo de Shakespeare foi só unir a sede a vontade de beber.
Apesar de ser uma tragédia, não achei o texto pesado e o final é tão demasiadamente trágico que chega a ser cômico. Varias vezes me coloquei no lugar de uma plateia do século XVI olhando o desenrolar dessa trama e pensando em escanda-los públicos e escondidos das famílias reais europeias e rindo sozinha de mim para mim mesma no meio dos monólogos angustiados e delirantes do Príncipe Hamlet.
Como o titulo do livro anuncia em "Hamlet", Shakespeare nos conta a história de um príncipe melancólico divido a perda precoce do pai e a frustração de ver sua mãe desposar seu tio antes mesmo do fim do período de luto. Somado a esses dois traumas, como se sua melancolia revoltada não fosse suficiente para enlouquecer o vivente, o fantasma de seu pai lhe aparece anunciando uma traição e clamando por vingança.
Como disse Horácio, amigo do Hamlet: "Não sei, mas há algo de pobre no Reino da Dinamarca." e para Hamlet cabe a ele colocar essa podridão em evidência e encontrar para ela um vingança digna de um rei cuja coroa foi indignamente usurpada. Para executar sua vingança nosso herói usa o artificio de "da uma de louco".
Obviamente Hamlet não esperava descobrir com seu ardil o quanto "um homem pode sorrir, sorrir e ser um celerado" não faz nenhum bem. Sua loucura fictícia conduz ele a loucuras concretas, macula o amor dele pela jovem Ofélia, intoxicando a moça com uma loucura real, constrói uma trilha de sangue e tragédia para todos a sua volta.
Apesar do fim arrasador e de realmente ter tido trabalho com a tradução rebuscada de Mario Fondelli e a formatação do texto da coleção "Clássico Econômicos Newton" ter me feito sofrer, adorei a leitura. Furiosamente anotei várias citações das perolas sobre comportamento, sociedade, cultura e politica espalhadas pelo texto de shakespeariano.
Muitas vezes me peguei pensando o quanto foi capcioso escrever, produzir e encenar em um mundo no qual os reis reinavam por “direito divino” uma história na qual a família real era uma verdadeira celerada, fadada ao fracasso por manchas de envenenamento, incesto e traições. Se, nas palavras do próprio autor "um pingo de mal contamina a substancia mais pura", imagine essa quantidade gigantesca de maledicências e crueldades em uma família que advogava para si o titulo de sagrada?
E sim, o autor conhecia muito bem o poder dos atores, como eles influenciam a opinião publica e podem ajudar ou prejudicar caso queiram ou precisem. O próprio Hamlet afirmou: "... os atores são como que o compendio e a crônica do nosso tempo e mais vale que vós tenhais um epitáfio ruim depois de morto do que serdes por eles escarnecidos em vida." (p. 45). Essa passagem é quase uma ameaça, não por acaso os políticos brasileiros proíbem os humoristas de zuar com eles em época de eleição na TV aberta.
Em síntese, não é sem motivos a popularidade da obra de Shakespeare e os muitos estudos sobre ela. Trata-se de um texto rico, com potencial para a reflexão e, mesmo na pior tragédia, com uma dose de comédia. Afinal como não ri diante do dialogo dos coveiros ou do espetáculo de ver um fidalgo e um príncipe se engalfinhando em cima de um caixão diante do Rei e da Rainha?
Apesar da dificuldade com a tradução e a formatação do texto, gostei muito da experiencia de ler Shekespeare. Quero ler muito mais dele, aliás, quero ler TUDO dele.
"Hamlet: príncipe da Dinamarca" contém o monologo mais famoso de todos os tempos, o qual senti necessidade existencial de transcrever por sua genialidade e impacto reflexivo.
"Ser ou não ser... Eis o problema. Será mais nobre suportar as pedradas e as flechadas de uma fortuna cruel, ou pegar em armas contra um mundo de sofrimentos e, resistindo, acabar com eles? Morrer, dormir, nada mais, e com o sono dizer que demos cabo da aflição no coração e das demais enfermidades naturais da carne: consumpção a ser desejada como graça. Morrer, dormir. Dormir? Sonhar, talvez, é este o ponto que nos detém, é a duvida que prolonga por tão largo tempo a vida dos infelizes. Pois quem quereria suportar o chicote e as injúrias do tempo, as injustiças do tirano, as afrontas do orgulhoso, as torturas do amor não correspondido, as demoras da justiça, as insolências do poderoso, os pontapés que o mérito paciente recebe dos indignos, quando ele mesmo poderia alcançar a paz com a mera ajuda da ponta de um punhal? Quem quereria suar e praguejar sob o fardo de uma vida ingrata, não fosse pelo receio das terras incógnitas do além, país do qual ninguém jamais voltou? Eis o que estorva a vontade e nos decide a suportar os males que sofremos, com medo de enfrentarmos outros que não conhecemos. Eis por que as cores vivas da resolução desmaiam no clarão indefinido do pensamento e os projetos de grande alcance e momento perdem o rumo, voltando ao atoleiro da imaginação. Mas... silêncio! Agora a bela Ofélia se aproxima - Ninfa, lembra-te dos meus pecados nas tuas orações." (Shakespeare, "Hamlet: o príncipe da Dinamarca, pg. 48).