domingo, 15 de janeiro de 2023

Não tenho vontade de fazer mais nada...


Eu não tenho vontade de fazer mais nada de diferente. Nada de novo me atrai. Honestamente fico absurdada quando vejo algum colega de trabalho planejando algo novo para a vida. Outro dia vi um colega que já tem um vínculo público como efetivo de um estado da federação dizendo que se o município abrir concurso ele faz, além disso ele também pegou  mais um contrato temporário para somar ao vínculo de efetivo que ele já tem. Ele não percebeu, mas fiquei ali, parada, contemplando e pensando: "Nossa! Quanto fôlego! A pessoa já tem filhas criadas, netos e netas, um casamento... e ainda pensa em mais um concurso! Eu não tenho esse folego!".

Não sei qual minha questão existencial, tenho 36 anos, em breve terei 37... Não sei se ainda não me recuperei muito bem dos eventos de 2016 ou da longa quarentena... não sei se estou desperdiçando algum tempo de vida. Mas não tenho vontade de fazer mais nada. Não quero fazer um novo curso universitário, só de pensar em voltar a universidade me dá azia, penso nos ônibus lotados, nas infinitas leituras para as cadeiras, nos trabalhos intermináveis, nos professores ególatras... Eu já tenho um diploma!

Relacionamento? A mera ideia de namorar me dá tédio! Com vinte anos me dava angústia a forma como os homens pareciam ter medo de mim e algumas mulheres tentavam se fazer perceber... Depois  passei a intimidar de propósito e só Deus pode me julgar... Hoje em dia, quando um homem ousa se aproximar, eu penso: "Jesus! Que desaforo! Quem é esse ser?". Às vezes "esse ser" é até um colega que eu gosto! Que aborrecimento! Não tenho mais forças para intimidar ninguém. Fico magoadíssima! Tenho vontade de dizer: "Eu tenho quase 37 anos, minha asma anda furiosa, preciso emagrecer 10 quilos, tenho problemas de circulação nas pernas e você ainda vem me incomodar? Você não tem empatia? Eu não sou adolescente há vinte anos! Não me aborda assim, eu detesto isso!". Geralmente uso a saída pela tangente, evito um pouco a pessoa e torço para o medo adolescente do fora monumental, misturado com o orgulho masculino, faça seu milagre.

Outro vínculo como professora em outra rede ou escola particular? Eu tenho 10 turmas! Se a carga horária de História for reduzida de 15 horas/aulas mensais para 10 horas/aulas mensais de maneira a Educação Física passar a fazer parte do turno em Jaboatão e não do contraturno, como é atualmente, terei 15 turmas. Atualmente já participo da educação de algumas centenas de adolescentes na qualidade de professora de História. Acho meu trabalho bem desafiador no ritmo atual. São três dias de jornada de trabalho indo das 7:30 da manhã até as 5:00 da tarde. Tem dois dias da semana onde as pessoas parecem achar ideal meter mais turmas, mais escola, mais alguma coisa e eu não quero. Peço muito a Deus, enquanto agradeço pelo meu emprego, para sempre ter sabedoria para gerir meu salário de maneira a não precisar de mais um emprego.

Me pergunto se é normal viver assim, sem ter vontade de fazer outras coisas a nível profissional ou emocional. Em geral me sinto feliz só de conferir as partes do corpo e perceber que não estou caindo, não estou desaparecendo, não estou me afogando e quando estou respirando normalmente... Meu Deus, eu fico tão grata! É tão bom respirar! Também não me sinto "tão vazia".

Já teve uma época na vida onde eu dormia e acordava, comia e tomava banho, ia a escola e chegava em casa sentindo a impressão de está caindo dentro de um buraco sem fundo. Era uma sensação terrível e opressiva que eu só sei explicar assim. Depois passei anos me sentindo "tão vazia" e lia, "lia muito e mais ainda", lia como se livros fossem preencher os espaços vazios. Em comparação a essas épocas da minha vida, atualmente estou no céu!

Outro dia uma amiga minha me disse que eu não espero que nada de bom me aconteça. Penso muito nessa conversa, lembro bem o dia no qual ela me disse isso. Era uma tarde ensolarada e agradável, eu ainda morava na casa dos meus pais em Igarassu, sai do quarto e fui para o jardim do meu irmão. Há um ano atrás mais ou menos além de uns peixinhos, ainda tinha uma amoreira persistente, uns arbustos de uma planta roxa, o hortelã e a roseira que se não for podada tem energia suficiente para dominar o mundo. O jardim do meu irmão era um luxo para os olhos... meu pai destruiu o jardim construindo um tanque para tilápias. Naquele dia, no entanto, o jardim estava ótimo, Lion (meu gato) me acompanhava como uma sombra protetora, e escutei a minha amiga me dizer que eu não esperava que nada de bom me ocorresse.

A vida é dura, especialmente para quem é mole. Eu sou mole! Há quem diga que sou uma mulher forte. Não sou! Não sei nem o que é força. A gente espera coisas boas, mas nada é como a gente espera. As coisas nunca são como nós desejamos e sonhamos. O real às vezes é melhor, mas também pode ser bem decepcionante. Inclusive, o real ultimamente me fascina mais que o sonho. Como escreveu Belchior e cantou Elis Regina

"Viver é melhor que sonhar 
Eu sei que o amor é uma coisa boa 
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida de qualquer pessoa"

Não tenho mais vontade de fazer nada a não ser ir vivendo essa vida que tenho. Continuar a participar da educação de umas três ou quatro centenas de adolescentes como professora de História; ler meus livros, ouvir minhas músicas no aplicativo de música; colecionar meus autores favoritos e autoras favoritas; colecionar meus álbuns de kpop; caminhar no fim do dia na praça; encontrar forças para voltar a musculação; ir ao Show do Super Junior em São Paulo; ir a praia com minhas amigas ou/e minha família; continuar conseguindo guardar um pouco de dinheiro para quem sabe chegar a ter uma casa própria em um lugar bom dentro de Recife e Região Metropolitana.

O que mais preciso ter vontade de fazer na vida?

Admiro essas pessoas corajosas, cheias de metas, criativas, dispostas a criar para si novos desafios ou embarcar em novos desafios a elas propostos. Não tenho nada contra isso. Também admiro as pessoas otimistas que espero algo de bom, gostaria de ter essa força de vontade e de desejo.

Não sei se fiz sentido! Só precisava desabafar meus sentimentos e registrar essa experiência atual comigo mesma. E de repente não mais que de repente, me pego pensando se apesar de tudo ainda sou a garota que lia "Lisbon Revisited (1923)" de Fernando Pessoa (Alvaro de Campos) todos os dias as vezes em voz audível, as vezes sussurrando, as vezes chorando em silêncio.

"NÃO: Não quero nada. 
Já disse que não quero nada. 
Não me venham com conclusões! 
A única conclusão é morrer. 
Não me tragam estéticas! 
Não me falem em moral! 
Tirem-me daqui a metafísica! 
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas 
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — 
Das ciências, das artes, da civilização moderna! 
Que mal fiz eu aos deuses todos? [...]

5 comentários:

  1. Jacilene, li com atenção e fico daqui torcendo pra que te animes a fazer mais coisas, viver, permitir que um amor aconteça... Tomara!És muito jovem ainda! Vai firme,força e ânimo! bjs, chica

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  2. acho que há uma obrigatoriedade de produtividade na nossa sociedade atual. não, não precisa. eu pensava isso esses dias, muito bacana uma idosa de mais de 90 anos se formar na faculdade, mas não precisa se não quiser. e há poucos idosos com mais de 90 anos que conseguiriam ir a faculdade todos os dias. vários tem limitações. mas como a mídia só põe holofote nos que fazem, os que não fazem acham que estão parados, desmotivados, desinteressados. não, podemos ficar no ócio e tá tudo bem. fugir de relacionamento não é bom. mas imagino que se aparecer alguém bacana vc não vai titubear. não tem pressa. vc tem 10 turmas e acha que está desmotivada. poucos tem tanta energia pra tanta turma. detesto metas, ainda mais qd colocam nas redes pra se mostrar produtivos, mas são muito mais parados que todos nós. é só pra mostrar mesmo. se cuida, tudo a seu tempo. e vc já faz muito. não se cobre tanto. se acolha. beijos, pedrita

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  3. Olá, Jacilene! Primeiro gostaria de lhe agradecer pela linda visita em meu blog! Feliz em te ver por lá! Seguindo e comentando sobre teu texto, digo que te compreendo e que me senti assim por um longo tempo e concordo com a Pedrita quando ela diz que a sociedade cobra. Mas minha opinião é que, não precisamos nos haver com essas cobranças! Deixem que cobrem! A única coisa que penso ser bom buscar hoje em dia com todas as forças é a paz interior e a harmonia com nosso eu interior. Penso que quando conseguimos trilhar este caminho interno, estamos também nos preparando para qualquer outra situação da vida, de decisão ou não. Busque sempre por você!

    Um abraço enorme! E, se precisar, continue desabafando! Estamos juntos aqui!
    Até breve!

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  4. Pandora, tenho dado uns voos bem superficiais em linhas de pensamento como o decrescimento, simplicidade voluntária, mínimo essencial, a vida não é para ser útil... e, seu desabafar neste bonito texto me faz questionar porque nos incomodamos tanto com o silêncio, com a tranquilidade de uma vida, por que tendemos a responder de imediato "que nada menina, você é muito nova e tudo isso vai passar e você vai... Se você estiver em paz consigo mesma, nada há de errado em não desejar. Aliás, muitos de nossos problemas vêm justamente dessa busca constante e massacrante.
    Vou guardar comigo a tua descrição tão linda, tão pura de gratidão a um corpo que não está desaparecendo e respira!
    Beijo!

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  5. Acho que essas pessoas que estão tão ansiosas pra prestar concurso, fazer a quarta faculdade, escalar o Everest, trocar de profissão, passar horas no transporte público ou no carro, se deslocando de uma coisa pra outra, talvez estejam se sentindo vazias, sendo cutucadas pela sensação de que não podem ficar ociosas. Quando escutam alguém ouvir dizer que não almeja isso, falam que somos "acomodadas", sem "ambição".

    Lembro de uma diretora que ficou horrorizada porque eu ia largar algumas aulas à noite e ia perder 200 reais. Passei pro colega, sem drama. Perderia o ônibus pra casa, teria que gastar com táxi, e pra que? Por 200 conto?? Não tenho mais condições de trocar meu bem-estar por coisas assim, sabe? Por isso entendo bem o que você quer dizer. Quero fazer as coisas que me dão prazer e entrar pra faculdade com 42 anos, pegando ônibus, trem, metrô, dormir pouco... definitivamente não me cativam. Meu tempo já foi. Me esforcei muito, me formei, tenho vários diplomas e títulos que me orgulham muito. Mas quero outras experiências. 💗

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