domingo, 17 de maio de 2020

Estação Atocha, Super Junior e o Triunfo do Irreal.


"Esforcei-me para pensar nos meus poemas, ou em qualquer poema, como maquinas de fazer eventos acontecerem, de mudar os governos, a economia, ou apenas a sua linguagem, e o conjunto das suas funções sensoriais, mas não consegui imaginar isso nem me imaginar imaginando todas essas outras coisas sobre a poesia, quando imaginava - pressentimento terrível - um mundo privado até mesmo dos pretextos mais idiotas para escrever poemas que permanecessem fiéis às possibilidades virtuais do meio, privado dos rituais absurdos como aquele do eu tinha participado naquela noite, então eu intuía uma perde inestimável, uma perda não de obras de arte, mas da própria arte, e portanto infinita, o triunfo total do real, e me dei conta de que em um mundo assim eu engoliria uma cartela inteira de comprimidos brancos." (Ben Lerner, Estação Atocha, pg. 55).

Em "Estação Atocha" a proposta é acompanhar a vida de Adan, um estudante americano vivendo em Madri com o objetivo de escrever um longo poema como forma de concluir seu curso. Adan é um daqueles personagens absurdos com os quais a pessoa leitora vez ou outra cruza. Ele é um mentiroso endêmico, apático, fortemente compromissado em não se deixar encantar por nada, capaz de consumir drogas como se elas fossem confeitos e é absolutamente franco quando narra suas não-aventuras.


Ao longo da leitura do livro não foram raras as vezes nas quais me vi navegando numa situação tão absurda, mais tão absurda, que só me restava dá muitas gargalhadas. Ri muito lendo o Ben Lerner e não sei se recomendo a leitura do livro. É fácil ficar impaciente e irritada com o Adan, ele lembra muito o Brás Cubas do Machado de Assis, um homem branco fabulosamente inútil, capaz de fazer absolutamente nada com todos os privilégios aos quais tem acesso. 

No entanto, os livros não existem unicamente para serem úteis. Imagino, junto com o Adan, o quão desesperador seria viver em um mundo no qual todas as nossas atitudes, relações, esforços, trabalhos, rituais e desejos fossem unicamente dedicados ao utilitário. Um desfecho especialmente assustador para a trajetória humana na Terra. Nenhuma criança merece nascer em um mundo absolutamente utilitário.

Descobri recentemente, enquanto era obrigada a desenvolver uma série de hábitos convencionalmente tidos como saudáveis que não estou pronta para uma vida na qual tudo que faço tem uma sentido útil. E fui atingida em cheio pelo k-pop, música pop coreana.

Agora sou uma pessoa capaz de se perder no tempo e no espaço ouvindo as canções coreanas. E não, meu caso de amor não é como BTS, Meu afeto é todo dedicado ao Super Junior, um grupo com 15 anos de história dentro da industria do entretenimento. Só Deus sabe como sobreviveram tanto tempo dentro da industria do k-pop que cultua a juventude como se ela fosse um tipo de divindade generosa e provedora. Tive um acidente de fã brutal como o Super Junior em pleno Cais de Santa Rita em uma volta do trabalho especialmente exaustiva, graças a Luci Leite.


Ocasionalmente acho absurdo, desconcertante e cômico, as vésperas do meu 34º aniversário, me vê apaixonada por uma boy band coreana. Constantemente penso na minha descoberta da potencia do Super Junior para embalar meus trabalhos como o triunfo do irreal sobre a dureza da realidade.

Um lado meu respira aliviada enquanto confere as partes do corpo e da alma e descobre sorrindo e chorando ser totalmente capaz ser boba. Ainda não desistir das coisas frágeis. O real ainda não triunfou sobre mim. Ainda posso participar da educação de adolescentes e crianças sem o perigo de arruinar sua capacidade de sonhar com coisas improváveis. Ainda sou uma Alice, não me absurdo quando um Coelho Branco (Luci você é meu coelho) me aparece, me permito cai na Toca e descobri um Mundo de Maravilhas perigoso, atroz e repleto de aventuras úteis e inúteis, um triunfo do irreal.

6 comentários:

  1. Entre as coisas que nos tiram dos nossos estresses diários, amo especialmente aquelas compartilhadas contigo. De vampiros fortões a boy groups, essa amizade de renova e se fortalece. Me emocionei!

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  2. Como não conheço nada do que foi citado, nem tenho o que comentar. Estou aqui só pra dizer: li.

    Tenho me sentido rabugenta demais e incapaz de descobrir e/ou admirar coisas novas (no sentido de novas pra mim) e admito que isso tem me preocupado. Estou engessada. Acho que é bom descobrir e admirar novas coisas, mas hoje já não me vejo sendo grande fã de nada. Hoje esses apegos me soam como fugas, provavelmente por identificar apegos passados em certos momentos ruins. Não sei se isso é saudável, o que não torna menos preocupante meu total desapego com o resto do mundo.

    Em resumo: aproveite o que te faz bem, mas não te deixe consumir por isso. Do mesmo modo, dispense logo coisas desagradáveis e evite gastar energia com elas.

    (Coloquei como se fosse pra ti, mas na real é algo que tenho me dito.)

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  3. Olá, Pandora.
    Adorei essa capa, é muito interessante. Eu não sou muito fã de musicas em geral, mas as vezes me pego pensando nesse tipo de coisa. Eu aqui quase quarentona era para estar assim? Mas dai penso que se não for assim qual o sentido de estar vivendo?

    Prefácio

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  4. Eu também vim dizer que não conheço nada do que você citou, mas li e adorei a capa do livro.E a capacidade de ser feliz, criança, desprovida de finalidades, uma liberdade!
    Beijo

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  5. Amada, eu sou uma pessoa de quase 30 anos na cara e ainda surto com boy band. Acho que não tem essa de idade para gostar de músicaBeijos
    Balaio de Babados

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  6. Lembrei lendo de O Cartógrafo: um mapa perfeitamente igual ao território é perfeitamente preciso, e perfeitamente inútil.
    Acho às vezes que as coisas mais inúteis são as mais importantes, pois elas estão em nossas vidas porque as queremos ali, e não porque precisamos ou porque terão utilidades. E assim juntamos rituais, piadas e objetos.
    Cartões postais ou envelopes. Glitter. Memórias.

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