terça-feira, 26 de maio de 2020

Cheguei aqui em uma noite de fim de verão


Cheguei aqui em uma noite de fim de verão, ainda estava quente, o céu estava estrelado, não havia Lua. Nunca vi um céu tão estrelado, não sabia que existia céu estrelado em noites permeadas por tanto medo e incerteza.

No dia seguinte não haveria aula e nem no próximo e nem no posterior a ele... Todas as minhas urgências estavam suspensas. O amanhã era um espaço de tempo vazio... Resolvi aproveitar a visão até então inédita de um céu estrelado a esse ponto em uma noite quente de Lua Nova. Deitei no chão, havia uma música em minha cabeça, coloquei para tocar o mais baixo possível e diante de mim milhões de luzes fantasmas no céu noturno.

Já ouvi falar mais de uma vez sobre o sentimento de pequenez imposto pela visão do céu noturno, mas tenho um metro e meio de altura, estou habituada a me senti pequena e o sentimento não me emociona, assusta ou intimida.

Diante da imensidão me sinto reconfortada, livre como alguém que pode se mover sem ser percebida e assim pode ir para onde desejar.

O pequeno me intimida mais: bebês de colo, a pequena infância, crianças, pré-adolescentes, animais de outra especie, objetos pequenos, anéis, livros. Se deixar caí quebra. Se derrubar pode morrer na queda. Com facilidade se fere. Basta uma palavra mal colocada para decepcionar. Podem chorar até passar mal.

O imenso impõe admiração. O pequeno exige atenção, dedicação, tempo, espaço, prudência.

Nossa! O que estou falando? É um tempo no qual o invisível se misturou ao visível, matou milhares em questão de meses e sitiou o mundo inteiro. Nós, talvez, sejamos uma geração compreensiva em relação a como coisas pequenas são opressivas e exigentes e perigosas.

O céu estava estrelado, me senti minúscula tive a sensação de poder ficar uma vida inteira ali, diante do céu imenso, o chão frio nas minhas costas, a noite quente me cobrindo, ouvindo o som baixíssimo de uma voz suave cantando em um idioma quase extraterrestre... Foi apenas um momento, um momento infinito.

4 comentários:

  1. Esse é um post com título que poema que prece da Emily Dickinson.

    Sinto cada vez mais que estou vivendo exatamente o agora, parcelado em prestações de 15 dias. Planejo assim minhas aulas e minha rotina, e temos uma perspectiva de mais alguns meses.

    Alguns colegas se preocuparam com recesso junino, com férias de fim de ano... Mas isso está a muito mais de quinze dias de distância. Por enquanto, basta saber que foi um dia que conseguimos passar por um gigante sem o despertar.

    E esta noite tem uma lua linda no céu, amarela. "E se a noite estiver queimando, eu fecharei os meus olhos."

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  2. "O amanhã era um espaço de tempo vazio." <3

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  3. O minúsculo, o infinito, os mistérios... ah como suas palavras tão bem descreveram algo inacreditável.
    Beijo!

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  4. Belíssimo e profundo texto, Jaci!
    São tantos questionamentos de nossa pequenez, quase nunca paramos para prestar atenção nela, quem dirá nas estrelas recém apresentadas a nós e que sempre estiveram lá escondidas na poluição do céu.
    A consciência traz consequências difíceis de se encarar, mas é necessária.
    Lendo seu texto fui remetida aquela cena do filme Minha Amada Imortal...dei uma relembrada no Youtube, faz tempo que assisti, se quiser procure: Cena do filme minha amada imortal (9ª Sinf.)
    Amei, amei, parabéns!

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