quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"Vou te contar tudo o que eu nunca disse, pai..."




"Vou lhe contar tudo o que eu nunca disse, pai..."

E lá se foi a primeira frase da longa carta que seria escrita a partir de então.

A primeira frase sempre é a mais difícil é ela que marca o destino de todas as outras e o destino das palavras que seriam postas neste papel seriam a verdade... seriam a revelação de todas as coisas que até então não foram ditas, a vida seria posta na ponta do lápis e o que nunca foi dito seria escrito em letras grandes, firmes e legíveis, o ciclo seria fechado, o que foi vivido seria contado e quem sabe a partir de então seria possível iniciar novos ciclos.

E lá se foi a escrever sobre si, sobre sua visão a respeito das inúmeras discussões que marcaram sua infância e deixaram o medo angustiante de que a vida fosse toda feita de gritos e dor, sobre o medo do escuro, a angustia da porta fechada, da parede rachada da cozinha, das eternas ausências nas festas da escola, do cadarço do sapato eternamente não amarrado, do braço não ofertado, da saudade não sanada, da eterna espera por uma volta que jamais ocorreu por completo, afinal o pai que se esperava  jamais voltava, o que voltava era um homem estranho feito de caos adicionando trovões ao céu já pesado de nuvens negras que compunha a vida naquela casa.

Tudo isso preso no estômago por anos a causar um eterno enjoo, toda uma história marcada por dias de ausência e trovão, por questões não resolvidas...  Agora tudo isso seria escrito  e o que até então não foi dito seria contado, cada história seria contada em linhas e mais linhas, quantas linhas fossem preciso para esgotar toda a dor desse conto amargo.

Seria contada a história do dia em que o aniversário foi esquecido, de como foi triste receber tantos presentes e tantos votos e até aquele redondo bolo rosa com três bailarinas em cima, um bolo cheio de glacê com cara sonho e programa da Xuxa e a eterna espera...

"...você esqueceu ein Pai!!! O que você ficou fazendo o dia todo que não lembrou que era meu aniversário ein??? Agora eu sei o que você esteve fazendo..."

E a essa altura não importa mais o acontecido, mas ainda  importa contar... Importa fechar... encerrar essas histórias, lacra-las, para que elas não voltem mais a encher as noites com pesadelos doloridos.

Tantas coisas não ditas para serem contadas, coisas tão ruins... coisas tão boas... a carta vai ficando longa demais... passa de uma pagina para duas.

Facilmente se tornará um livro quando for contando por exemplo a respeito daquele dia incerto que repentinamente ficou certo quando o pai chegou e resolveu todos os problemas tão rápido que em três tempos parecia que nunca houve problema algum.

São tantas coisas a serem contadas que a carta vira livro e o livro virá a vida de quem escreve, não há o que fazer, quando se fala de pai se fala de heróis e vilões, de príncipes e ogros, de sonhos e de pesadelos, de problemas e soluções unidos em apenas um ser: "o pai".!

Quando se fala de pai se fala de uma relação que dura uma vida inteira, que rompe as portas da casa, atravessa o jardim, pula o  muro e influencia o mundo que os filhos criam para si... E enquanto o que não foi dito se transforma coisa  contada quem conta pesa dores e afagos, sonhos e pesadelos, sins e nãos, amores e ódios e comeã a descobrir ou redescobri no vilão um herói, no herói um vilão, no homem um pai, no pai um homem e no que foi contado uma história, apenas mais uma história a encher um mundo já tão cheio delas.

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Texto escrito para a 8ª edição do IN VERBIS!!!

Desde Freud que a relação de pais e filhos não é encarada mais como algo simples, a relação entre pais e filhos é algo que marca profundamente a vida de qualquer individuo e se entranha no reino magico do nosso inconsciente (realmente minha vida era melhor antes da psicanálise, eu poderia viver sem esse conhecimento adicional)!!! Ah, escrever de vez em quando não é tão ruim, as vezes distrai, colocar para fora o que está dentro, o que observamos ao nosso redor, o que nos pertuba... vejo tanta coisa acontecendo, tantas relações entre pais e filhos... vivendo cercada por crianças o que mais vejo são situações... essa edição do In Verbis foi perfeita... uma oportunidade única para vomitar o que anda entrando em mim pelos olhos, ouvidos e narinas nos últimos quatro anos em que vivo não só a minha complicada relação com meu pai como dezenas (talvez centenas) de outras relações pai/filho, pai/filha.

2 comentários:

  1. LINNNNDO!
    Adorei esse texto...singelo, mas profundo;
    objetivo e, ao mesmo tempo, subjetivo. Gostei da narração poética da história.

    Parabéns pelo seu talento!

    bjoxxxxxxxxxxx

    Diogo Didier!

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  2. Simplesmente belo o texto. Cada um de nós abre o seu coração conforme as nossas necessidades. é sempre assim. Nossos pais não tiveram a mesma experiência que hoje nós pais e mães temos.
    Valorizamos mais estes momentos com nossos filhos. Principalmente nós as mães.
    Estamos sempre juntos deles.
    As marcas passadas sempre ficam, não é amiga.
    Mas fazer o que se eles podiam dar do seu jeito o seu amor para nós.
    Carinhosamente,
    sandra

    http://sandraandrade8.blogspot.com
    Vou te esperar, caso queira compartilhar comigo tbém.
    seja bem vinda

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