quinta-feira, 27 de junho de 2024

"O peso do vazio: dançando com o mistério" de Olivia Lautre

"O Peso do Vazio" da Olivia Lautre é um Dark Romance é um gênero literário no qual as autoras se propõem escrever histórias consideradas indigestas nas quais incesto, pedofilia, violências sexuais, violências psicológicas e por ai vai. Horror! Horror! É uma viagem ao coração das trevas humano. A pessoa que se propõe a desbravar esse gênero precisa saber onde vai pisar... esse terreno íngreme, cheio de buracos, luz suficiente apenas para produzir sombras e mais sombras.

Ultimamente esse gênero literário tem sido uma das coisas sobre as quais mais tenho ouvido falar. Os pequenos barulhos em meu entorno começaram via redes sociais, através de leitoras absurdadas com as situações retratadas nesse gênero, foram aumentando com uma das minhas estudantes mais queridas conversando comigo sobre as leituras dela e, por fim, se tornou ensurdecedores quando uma amiga próxima trouxe os livros da Olivia Lautre para o nosso grupo do whatsapp.

Muitas pessoas seriam capazes de resistir a esse tipo de som, esse não é meu caso, a minha curiosidade literária não permitiu.

Em "O Peso do Vazio" a Olivia Lautre começa a contar a história de um oligarquia composta por empresários americanos dos mais diversos ramos essenciais a manutenção do Capitalismo chamada "Sangue em Ascensão". São pessoas cujo poder vem do dinheiro acumulado ao longo do século XX através de exploração de meios de comunicação, especulação financeira, indústria alimentícia, energia e por aí vai. Resumindo, em tempos de crise alguns choram outros vendem os lenços, durante "A Crise de 1929" algumas famílias se reuniram para vender lenços, fizeram fortuna e através de todo tipo de maquinação permitida pelo Capitalismo e controlam boa parte do Ocidente.

Nesse primeiro volume se narra o encontro e a história de amor do Damon, um dos mais poderosos membros dos "Sangue em Ascensão", e da Aleks, uma das pessoas mais abusadas, maltratadas e abaixo na hierarquia social do grupo retratado neste livro.

Damon aos 26 anos já ocupa uma posição privilegiada dentro do tabuleiro do jogo de poder dessa oligarquia de multimilionários. Apesar de jovem, nosso protagonista conseguiu um lugar de destaque no jogo ao emplacar um projeto de exploração de petróleo e gás natural no Oriente Médio depois dos Estados Unidos abrirem fogo ao Oriente naquele evento chamado "Guerra ao Terror" em resposta ao 11 de Setembro de 2001. Como isso não é um conto de fadas, Damon consegue seu projeto roubando de sua amiga de infância, ele não é um Príncipe Encantado e sim, uma pessoa capaz de violência, é negligente com sua esposa grávida, traumatizado até a raiz do cabelo por ter crescido em uma família disfuncional e pela sensação de impotência e desamparo gerada pela perda precoce da mãe.

Aleks, é uma ex-bailarina do Bolshoi que vive em uma situação imensamente desconfortável. Ela é uma bailarina de uma caixa de música em formato de gaiola dourada. Em uma sociedade como a nossa na qual mulheres comumente são objetificadas, a figura de Aleks, uma beldade de olhos azuis e altas habilidades artísticas, como uma pessoa aliciada desde a infância, violada, sexualmente explorada, cheia de traumas e feridas, vivendo como uma Boneca, constantemente no limite emocional em uma gaiola da qual ocasionalmente deseja saí, mas constantemente não se enxerga fora, causa um desconforto atroz e ao mesmo tempo, apesar do extrapolamento da maldade característico do Dark Romance, é verossímil.

A oligarquia formada pelos membros do "Sangue em Ascensão" não é uma irmandade. Trata-se de um grupo no qual todos os membros desejam poder e espera-se que disputem esse poder jogando uma intensa e violenta partida de Xadrez. Aqui as lealdades são duvidosas, a violência é esperada, quem com o ferro fere pode ferido a balas, as repostas a agressões não precisam ser proporcionais a violência sofrida, tudo depende da situação. Todos os membros dos "Sangue em Ascensão" são Jogadores ou Peças do Jogo.

É por uma jogada de um Jogador que Damon e Aleks se encontram e começam a se relacionar. Os dois têm cargas emocionais muito pesadas. O Damon cresceu dentro dessa ambiência de ambição, deslealdade e lealdades duvidosas. A perda da mãe, a ausência do pai, o peso de pertencer a um grupo tão capaz de vilanias. A Aleks é uma borboleta em um pote de vidro, o ar pode acabar a qualquer minuto, alguém abre uma fresta, mas será ela capaz de voar para fora, será que o ar de fora também não pode destruir uma criatura já tão fragilizada?

A história contada em "O Peso do Vazio" é repleta de sombras, medo, aflição e violência. Muitas vezes me senti asfixiada e enjoada. O livro tem seu núcleo de luz, o Damon e a Aleks tem seus momentos de felicidade e contentamento dentro de sua história de amor, afinal trata-se de um romance, mas o lado escuro é muito mais presente, afinal é uma história dark. Esse é um livro para quem tem estômago forte para viver subidas e descidas em uma montanha russa emocional.

Apesar de não ter sido uma leitura fácil do ponto de vista emocional, é preciso dizer que a escrita da Olivia Lautre é envolvente e de fácil leitura. Devorei o livro em três dias, houve momentos nos quais simplesmente não conseguia parar de ler. Merece destaque também a lucidez da autora em relação ao funcionamento do Capitalismo enquanto Sistema Econômico e Cultural, sua abordagem em relação a questão dos alimentos ultraprocessados, sua visão da geopolítica bem encaixada e principalmente o juízo de saber que não existe romance capaz de resolver traumas e questões psíquicas sem terapia.

A autora avisa na primeira página de seu romance as questões escondidas nas sombras de sua obra, a pessoa leitora entra no Universo dos Sangue em Ascensão ciente do tipo de coisa com a qual será confrontada.

"... espere por pontos de vistas distorcidos e atitudes perturbadoras envolvendo: violência psicológica, violência física, depressão, ansiedade, crises de pânico, suicídio, luto, assassinatos, traumas, vício/uso de entorpecentes, relacionamentos abusivos, automutilação, transtornos mentais, crueldade animal, hipnose, overdose e misoginia."

Por fim, o Dark Romance não  é uma novidade literária, não vamos nos esquecer do Marquês de Sade, do "O Morro dos Ventos Uivantes" da Emily Brönte e mesmo das aterrorizantes narrativas contidas em livros da Bíblia como Gêneses, Êxodo, I e II Reis onde incesto, violência sexual, violência sexual com incesto, fratricídio, adultério, irmão vendendo irmão como escravo, homicídio, traição, jogos de poder são constantes e corriqueiros. Se a gente perceber a Bíblia fora do contexto espiritual, ela é uma coleção de livros sobreviventes do Mundo Antigo e, debaixo de sua luz e de suas sombras, poderíamos afirmar com tranquilidade que a humanidade tem fascínio pela escrita e leitura de aventuras sombrias, jogos de poder, grandes tragédias, amores e traumas. Nossas virtudes atraem atenção, afinal, quem não gosta de calor e luz? Mas nossas desvirtudes, nosso fascínio pelas sombras dolorosamente frias nunca nos abandonou enquanto espécie.

Dito tudo isso: o dark romance não é para mim. Pesado demais! Meu coração é Romance de Época, é Julia, Bianca e Sabrina.

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