quarta-feira, 19 de outubro de 2022

"Longe como o meu querer" de Marina Colasanti

 

Leio a Marina Colasanti desde muito cedo. Li "Entre a Espada e a Rosa" pela primeira vez na 5ª série do Ensino Fundamental (hoje 6º Ano) e fiquei encantada pela escrita lírica com a qual a autora evoca os contos de fadas em narrativas que ocorrem em uma dimensão onírica, mágica, melancólica onde os eventos ocorrem em um tempo fora do tempo onde tudo é possível e milagres estão sempre ocorrendo. Uma vez adulta, possuidora de um trabalho remunerado, passei a colecionar os livros da Marina e foi assim que "Longe do Meu Querer" chegou as minhas mãos.

Como livro de contos, "Longe do Meu Querer" não decepciona. A Marina trabalha muito bem o conto de fadas e nesse livro ela traz um conjunto de contos líricos com estilo de narrativa poética e onírica evocando os autores clássicos da literatura europeia como os Irmãos Jacob e Wilhelm  Grimm, Charles Perrault e Hans Christian Andersen, assim como o encanto do "Livro das Mil e Uma Noites". Cada uma das histórias é dotadas de uma cadência que embala e faz a leitura fluir rapidamente.

Comecei a ler a Colasante como aluna da 5ª série, hoje fui várias vezes professora do que há anos atrás seria a 5ª série e os contos dela não mudaram. Eu, no entanto mudei e, de repente, me surpreendeu profundamente perceber o quanto o universo narrativo da Marina Colasanti é puro suco de eurocentrismo. A ambiência temporal de sua narrativa é um tempo fora do tempo, como já disse, mas esse tempo onírico é absolutamente branco, remete muito fortemente a uma Idade Média idealizada. Toda beleza é tão alva, toda pureza é tão branca.

E claro, isso não seria nada de mais se esse livro não fosse escrito por uma autora brasileira em português brasileiro para crianças brasileiras. Advoga-se com frequência o caráter mestiço da população brasileira e da América Latina como um todo, mas hoje me choco como durante tantos e tantos anos as produções para infância se constroem em cima de referenciais eurocêntricos ou orientalistas esquecendo completamente a cultura afro-indígena e nós, que fomos crianças leitoras ao longo da ultima década do século XX e da primeira do XXI, crescemos sem referencias imaginárias da África ou da América antes das invasões europeias.


Eu fico pasma como essas produções para a infância não só eram normalizadas como eram e SÃO premiadas. "Longe do Meu Querer" foi o vencedor do "Prêmio Latino-americano de Norma-Fundalectura" de 1996 e não é o único livro premiado da Colasanti, "Uma ideia toda azul" recebeu "O Melhor para o Jovem", da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, "Breve História de Um Pequeno Amor" recebeu o Prêmio Jabuti de 2013 e a lista de prêmios dela é imensa e não estou dizendo que trata-se de uma autora com uma narrativa ruim, pelo contrário, é uma autora com escrita bem boa.

A questão é meu incomodo com a forma como os materiais produzidos para a infância e altamente premiados tem sido tão eurocêntrico durante tanto tempo. A gente aprende assim a achar o passado da Europa um tipo de passado universal do ser humano e as pessoas brancas protagonistas de todos os contos de fadas e daí vem o estranhamento diante de uma sereia negra mesmo quando o mito de criaturas meio humanas meio peixes são comuns em todas as culturas ribeirinhas e litorâneas desse planeta.

Tem gente que acha desnecessário da esse tipo de opinião, mas é preciso sim analisar com cuidado as estruturas em nosso em torno, apontar suas características e propor mudanças. Os europeus chegaram a América como invasores, nosso passado é Tupi, Inca, Asteca, Maia etc. Nossos filmes e livros infantis deviam ser a muito tempo voltado para alimentar a memória e reconhecer o valor dessas nossas culturas ancestrais. No caso do Brasil, país com a maior população negra fora da África, as culturas dos países dos quais nossos ancestrais saíram deviam e devem fazer  parte da nossa vida desde o berço. E sim, me da um cansaço o quanto Monteiro Lobato ainda frequenta estantes destinadas a infância. A Marina só excluí indígenas e africanos de seu imaginário, diferente de Lobato que os inclui de forma racista.

2 comentários:

  1. Que legal e já pelo nome me atraiu... Gostei da dica e sugestão! beijos, tudo de bom,chica

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  2. tb gosto dessa autora, não conhecia esse. beijos, pedrita

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