quinta-feira, 22 de abril de 2021

Talvez Esther de Katja Petrowskaja


"Eu acho que ela se chamava Esther, disse meu pai. Sim, talvez Esther. Eu tinha duas avós, e uma delas se chamava Esther, isso mesmo.
Como assim, 'talvez'?, perguntei indignada. Você não sabe o nome da tua avó?
Nunca a chamava pelo nome, ele me respondeu. Eu a chamava de 'babucha', e meus pais de 'mãe'." (pag. 172/173)

Eis um livro difícil de definir: "Talvez Esther" da Katja Petrowskaja. Nele se encontram tanto tipos diferentes de narrativas literária quanto diferentes sentimentos e emoções em relação a família, história e identidade étnica. Nele Katja tenta sistematizar em forma de escrita a história de sua família formada por judeus que ao longo do século XX, por escolha ou medo, abriram mão ou perderam sua identidade cultural e étnica como judeus ao migrar, por escolha ou falta de opção, para a União Soviética, atual Rússia.

De certa forma esse livro é uma tentativa da autora de através da História construir a árvore genealógica de sua família, reatar os pedaços do passado e construir vínculos culturais com seu povo ancestral. 

"História é quando de repente, não há mais ninguém a quem perguntar, só restam as fontes. Eu não tinha mais ninguém a quem pudesse fazer minhas perguntas, ninguém que pudesse se lembrar dos tempos passados." (pag. 26)

Ela poderia ter escrito um romance autobiográfico ou um livro reportagem e seria lindo, mas não sei por qual capricho ela acabou escrevendo um livro é Diário Intimo, Biografia Familiar Grande Reportagem recheada com fatos ocorridos antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial com pessoas de origem judaica na Europa.

Como Diário Intimo o livro contém o relato das memórias familiares da Katja enfatizando seus sentimentos e sua sensação de falta de pertencimento tanto a União Soviética como a comunidade judaica do mundo. Apesar de ter vivido uma infância feliz em um apartamento novo nas margens de um rio na cidade de Kiev, ela carregou durante a infância toda uma melancolia imensa que se transforma em magoa na vida adulta. Para ela, pertencer a União Soviética custou a alma de seus ancestrais. No entanto, quando finalmente se vê diante do real sobrenome de sua família o direito ao uso dele ela sente como se aquilo já não fosse vivo, o sobrenome parece um fantasma, assim como as pessoas que o usaram anteriormente.

"Quando fiquei sabendo do nosso sobrenome original, soube também de pronto que, apesar de tudo, éramos autênticos; os Stern eram e permanecem sendo fantasmas, jamais serei uma Stern. Semion tinha passado por um batismo revolucionário que prometia igualdade de direitos à gente humilde: aqui não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois seres humanos e proletários." (pag. 117)

Como Livro Reportagem ela vai atrás de documentos oficiais, jornais, fotos, relatos de pessoas judias atualmente espalhadas pelo mundo, conversa com quem consegue encontrar, visita lugares, fala pessoalmente com pessoas, faz um esforço jornalístico de grande folego ao qual dedica anos de sua vida de forma obsessiva (expressão usada pela própria autora). Como jornalista a autora da um banho de História, muitos dados, números, ela consegue resgatar até imagens.

"... eu não tinha poder sobre o passado, que vive como quer, só não consegue morrer." (pag. 112)

Como Biografia Familiar ela mergulha nos galhos de sua peculiar árvore genealógica até onde os documentos permites misturando a tudo seu discreto talento para romancista. Ela conta a história de suas avós, avôs, tias, tios, tias-avós, tios-avôs, bisavôs e bisavós. Caminha por onde eles e elas caminharam, tenta vê as coisas que eles e elas viram, documenta, registra, lembra, conta da vida e da morte das várias pessoas formaram primeiro a família dos Stern e depois a dos Petrowsk. O titulo do livro faz referencia a uma de suas avós paternas cujo nome seu pai não lembra ao certo, talvez ela se chame Esther, não documento capaz de comprovar quando a memória do único neto dela vivo falha.

"No começo, eu achava que uma árvore genealógica era algo assim como um pinheiro, uma árvore da família toda, adornada com enfeites tirados de caixas velhas, muitas bolas se quebram, frágeis como são, alguns anjos são feios e robustos, capazes de resistir as mudanças de endereço. De todo modo o pinheiro era a única árvore que minha família possuía; todo ano comprávamos um e, depois, na véspera do meu aniversário, nós o jogávamos fora." (pág. 15)

De muitas formas lendo "Talvez Esther" acabei me sentindo companheira da Katja em sua romaria atrás da História de sua família. Muitas vezes considerei ela uma boa companhia e foi gratificante passar a tarde com ela, outras vezes nas madrugadas de leitura eu olhava para ela e pensava: "Mulher de Deus, você está reclamando de que?". A Katja foca tanto em seu próprio umbigo que não olha o mundo ao seu redor, a história de outras famílias em outros contextos do século XX. Ela enxerga muito bem as falhas da utopia Comunista Soviética, não há olhos para os méritos. Só interessa a ela a vida, o passado e o presente dos judeus, os outros são os outros não existem. Para mim todos os não ditos da Katka sobre o Capitalismo faz parecer que nós vivemos no Paraiso de Deus como Adão e Eva antes do Pecado Original.

"Talvez Esther" da Katja Petrowskaja faz parte da peculiar coleção dos livros com os quais a Ana Seerig me presenteou e estou criteriosamente lendo em 2021.

10 comentários:

  1. Pelo que li aqui,parece bem interessante esse livro! Ótima leitura pra ti. Aqui, cada vez posso ler menos livros. Estou economizando olhos...Juventuuuuuuuuuuuude é isso,rs... Mas vamos que vamos! beijos, chica

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  2. Quantos questionamentos interessantes e atuais (acho que serão eternamente).
    A leitura para mim está assim como para a amiga Chica disse acima, até no notebook está difícil com zoom. E continuo sem coragem de ir ao oftalmo e depois encarar experimentar óculos...Eu ainda acredito que estamos em pandemia e o risco está em todo canto.
    Abraço e bom domingo.

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    1. Também acredito que estamos em Pandemia e acho que você está certa. Sai de casa é se arriscar.

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  3. Olá, Pandora.
    Eu não conhecia esse livro ainda e achei bem interessante essa mistura de História com os devaneios da autora. E por ser de uma época que gosto muito de ler vou anotar aqui. E me identifiquei com essa parte de talvez porque eu mesmo só conheci mina avó materna. Os pais de meu pai morreram quando ele era criança e eu confesso tenho que pensar muito quando alguém me pergunta o nome dos meus avós porque raramente ouvia falar.

    Prefácio

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  4. Humm, este livro parece ser bom... até mesmo pelos 'defeitos', rsrs. Eu também pertenço a uma família que saiu... digamos... do seu meio e foi se aventurar em outro. Então a sensação de não pertencimento também tem me perseguido. Mas eu acho que o mundo é amplo e complexo e a gente tem que ter a sabedoria de tentar ver o máximo possível do 'universo' no qual fomos postos. E também temos que nos esforçarmos para melhorar esse 'universo'.

    Beijo

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  5. Oi, Pandora!!
    Me interessei pela leitura também porque agrega fatos documentais provando que a literatura também pode ser um registro da realidade confrontando contradições quando apenas o afeto não ajuda nas lembranças.
    Beijus,

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  6. Eu acompanhei tua leitura desse livro e ele realmente parece ser bom. Pena que não faz muito estilo de leitura...
    Beijos
    Balaio de Babados

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  7. Olá..
    Adorei a sua resenha!
    Ainda não conhecia a obra em questão, mas pelos seus comentários pude perceber que com certeza é um livro que me agradaria. A premissa é bem legal e, é claro, já anotei a sua dica!
    Bjo

    http://coisasdediane.blogspot.com/

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  8. Oie!
    Não conhecia a obra, confesso que não é muito meuu estilo, mas pelos elogios, merece uma chance!
    beijos
    http://estante-da-ale.blogspot.com/

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  9. Olá,

    Adoro ler, mas acho que não saberia nem por onde começar a fazer uma resenha.
    O livro parece interessante.

    Um abraço
    Sônia

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