Uma das coisas mais características da cultura nordestina é a tal da literatura de cordel, ou seja, os benditos textos escritos em versos, sextilhas, impressos em papel comum, cuja capa quase sempre é uma xilogravura - figura feita na madeira - e vendidos nos mercados públicos pendurados em uma cordão. Reza a lenda que o nome cordel deriva justamente do fato deles serem vendidos pendurados em cordões.
Ainda "segundo a lenda" os cordéis podem ser considerados sobreviventes, pois surgiram no século XVI quando relatos orais passaram a ser transpostos para a o terreno da escrita. Eles existiram com nomes diferentes e características semelhantes em vários lugares da Europa - Holanda, Itália, França, Portugal e Espanha - e quando os europeus atravessaram o Atlântico vieram com eles e cá estão até hoje, firmes e fortes como uma forma de contar todo tipo de história no Nordeste do Brasil.
Como boa nordestina, tenho minha coleção de cordéis abordando desde "As ignorâncias de Seu Lunga" até a "Revolução Francesa", o "Mito da Caverna" entre outros. Considero esse tipo de narrativa um mega-plus-ultra sobrevivente. Houve um tempo no qual as pessoas ditas eruditas pensavam que existia uma cultura popular inferior a cultura erudita e constantemente em crise e correndo o perigo de sumir. O cordel é uma prova de que a cultura popular não é inferior e é mega resistente, ele sobreviveu a passagem dos europeus pelo Atlântico, a rígida política de censura as letras característica da administração colonial portuguesa, a industrialização e ao raio que o parta.
Pois é, mas levando em conta o titulo do texto, vocês podem me perguntar: "O que raios isso tem haver com o autor de Sherlock Holmes?".
Bem, não é segredo para as pessoas com as quais compartilho experiencias de leitura o meu desagrado para com os romances policiais e derivativos. Então, no ultimo sábado quando estava na Livraria Cultura na companhia da Michele e da Aleska me deparei com uma edição mega especial do livro "Um estudo em vermelho" no qual Conan Doyle apresentou ao mundo lá pelas voltas de 1887 o seu brilhante Sherlock Holmes. Eu, com toda a minha chatice, olhei para o livro e ignorando tudo o que há de especial nele disparei:
"Hum... Romance policial tem uma formula tão batida!".
E a Dona Prefeita Michele respondeu com um golpe mortal:
"Então Dona Jaci o cordel é um sobrevivente e o romance policial uma formula batida... Quanto bairrismo!!!"
Juro que não me aguentei!!! Na hora eu ri, lembrando agora to rindo novamente! Realmente eu sou uma criatura muito bairrista e como tal, parcial em minhas analises! #ProntoConfessei #MeJulguem Não a toa, depois dessa pisa verbal da Michele peguei a edição do "Um estudo em vermelho" e resolvi trazer para a minha estante. Não tinha como não comprar, apenas a visão dele já me leva a recordar a situação e repensar minha visão de mundo. E sim, apesar de não acreditar em signos, sou geminiana demais para resistir a uma possibilidade de repensar qualquer coisa.
E falando em bairrismo, impossível não citar o último podcast das Meninas dos Livros, o tema foi "Personagens com os quais nos identificamos", eu escolhi falar da Elizabeth Bennet do livro "Orgulho e Preconceito"; mas também falamos sobre a Lou Calabrese personagem do “Ela foi até o fim” da Meg Cabot; da Daenerys Targaryen do “As Crônicas do gelo e fogo” e do Floriano Cambará personagem do livro “O Arquipélago” de Érico Veríssimo. Nesse cast eu não resistir a tentação de alfinetar o bairrismo gaúcho e tal alfinetada rendeu um debate quase sem fim no face. No final das contas, entre mortos e feridos salvaram-se todos e eu aproveito o ensejo para deixar o link do cast por aqui caso alguém queira ouvir a nossa tagarelação.