domingo, 21 de março de 2021

Só penso em café

 

Alguma coisa tomou conta da minha família toda. Não afirmo categoricamente: "Foi Covid." pois o resultado do teste ainda não saiu. Todos nós ficamos bem ruins e meu pai ficou pior. Meu irmão está aparentemente recuperado enquanto eu, Mainha e Painho ainda lutamos com náuseas, fraquezas e, no meu caso especifico, ausência total de paladar e olfato.

Na total falta dos odores e sabores só penso em café. Meu dia pode ser resumido a catalogação de todos os cafés da minha vida.

Primeiro Café: misturado com leite, 98% leite e dois pingos de café. É tão nítida a memória de Tia Neide botando no meu copo de leite um pouco do café do copo dela me subornando para tomar meu leite. Fui uma criança tão difícil de alimenta, nesse dia eu cansei tanto Tia Neide! Tadinha!

Segundo Café: garapa morna de água, açúcar e pouquinho café em um copo de vidro do estrato de tomate. Sentia uma alegria genuína na simples visão do café se misturando a água. Não lembro como consegui autorização para tomar café. Como venci a guerra do leite? Não sei, possivelmente chorando.

Café Pequeno dos fim das tardes das férias escolas, greves escolares e feriados. Meu pai trabalhava a noite e antes de ir trabalha, por volta das quatro da tarde, tomava um "café pequeno" no copo americano. Quando ele saia eu botava um para mim e ia observar o por do sol. Era um momento de muita paz, mesmo quando existiam muitas ansiedades sobre o futuro.

Café da casa de Voinha, moído em casa, servido nos copos de extrato de tomate. Preto como a noite doce como o pecado. Adorava aquele açúcar no fundo do copo com devoção irrestrita.

Café Coado de Mãe Gilda é perfeito! Segue como o mesmo sabor desde sempre. Uma iguaria cultuada pela família inteira. O segredo não é o tipo de pó, o segredo é a mão dela. Não sei qual magia ela faz, mas é o melhor café coado da vida.

Os Cafés Terríveis da Universidade servidos naqueles copinhos de plástico com gosto de morte, mas capaz de ressuscitar qualquer defunto. Como as pessoas conseguem trazer a vida algo tão pavoroso? Como as pessoas conseguem beber algo tão pavoroso? Como sobreviver aos anos de graduação e mestrado sem aquele liquido absurdo?

O Expresso da Praça do Piano do Plaza Shopping de Casa Forte, foi meu orientador da monografia o primeiro a me levar para tomar esse café. Recordo do meu estranhamento diante do Shopping, do café, do clima, das pessoas. Achei caríssimo! Ao longo dos anos do mestrado fui muitas vezes a esse Shopping e a essa praça de alimentação com piano para tomar esse café caro comendo pão de queijo.

O Café de Dona Nina, uma colher rasa de pó de café para um litro de água quente e muito... muito... muito açúcar. Dona Nina é a mãe de uma das minhas amigas, a casa dela fica na Zona Rural de uma cidadezinha do Agreste de Pernambuco chamada Lagoa do Ouro. Tenho provado o café de Dona Nina ao longo dos últimos dez anos, no começo achei terrível, com o tempo passei a considerar um clássico, hoje estou chorando de saudades. Não é metáfora!

Para não morrer de chorar, lembro dos cafés esquisitos das cafeterias de Recife. Várias misturas, varias formas de preparo. No começo achei terrivelmente caros, com o passar do tempo e dos encontros com a as amigas o preço se tornou algo aceitável. Acostumei!

Amo o Café do Atacado dos Presentes do Centro do Recife! Foi Aline Maelly quem me apresentou e vou muitas vezes lá com ela e com Alexandre para falar de livros, da vida, dos planos, do futuro, das redes sociais. Ocasiões bem felizes. É uma das coisas que mais sinto saudades nesse momento de isolamento.

O inesquecível Café Orfeu com o qual Rafael me presenteou em 2019. Foi a exigência feita pelo Rafael de não misturar ABSOLUTAMENTE NADA ao café a responsável por me fazer tirar o açúcar do liquido sagrado.

As xícaras enormes de café dos longos momentos de preparação de aula e material didático. As pequenas xícaras dos cafés da manhã preguiçosos com Mainha. Os cafés terríveis da sala dos professores misturados ao tédio das longas reuniões que parecem ir para lugar  nenhum e avante. Os cafés misturados com medo das longas noites da graduação e de mestrado nas quais pensamos se vamos mesmo conseguir vim a ser as pessoas portadoras de diplomas.

Os cafés com amigos e os solitários, todos com o cheiro se alastrando pelos espaços, o sabor tomando conta da boca, o liquido descendo pelo corpo e a sensação de plenitude dos viciados tomando conta do corpo. Só penso em café, em todos os cafés das ultimas três décadas aos quais se soma esse café com gosto de água quente e cheiro de coisa nenhuma da Era do Covid.

8 comentários:

  1. Qua chato isso, Jaci...Ninguém está livre de pegar essa meleca de doença, a cada saída voltamos com dúvida, por mais que tenhamos cuidado. Estarei sem frutas e legumes em casa a partir de amanhã e terei que sair, mas antes esperarei até quarta quando fará 12 dias sem sair na rua, então poderei (acho) dar um abraço no filho, faz tempo não fazemos isso, nem perto chego porque sou a que sai para fazer compras. Cada dia é uma incerteza.

    Amei sua crônica, a inspiração com certeza não lhe foi tirada, de uma sensibilidade enorme, parabéns!
    Cafés são marcantes na vida de quem ama essa bebida, um marcante para mim era o dedinho de café que minha mãe trazia antes de sair para trabalhar na época que meus pais se separaram, ela deixava na mesinha ao lado da bicama, me dava um beijo e ia embora, era a última coisa que fazia antes de sair...sentia o cheiro e ouvia o barulho da porta se fechando e os passos dela. foi assim por anos.

    Que seu olfato volte e os sintomas passem logo, se recuperem todos o mais rápido possível. Sinta-se abraçada.

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  2. Eu tinha certeza de que teria menção a café de universidade e de escola hahahahaaha
    Também tinha certeza de que teria alguma referência ao meu <3 Fico feliz por ter sido fundamental para salvar a sua alma.
    Da próxima vez vou fazer uma mistura para você.
    E que em breve você possa tomar o meu café, aqui.

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  3. Se cuidem, muito chata essa doença. Café!! Amo café! Eu já gosto mega ultra forte e com pouquíssimo açucar.
    Beijos
    Adriana

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  4. Caso os testes confirmem o pior, espero que todos se recuperem plenamente. Se serve de consolo, digo que a minha mãe (que fará 85 anos) pegou a doença bem no início da pandemia. Teve que ser internada e cuidada (por causa de uns agravantes), mas superou tudo e hoje está bem.
    E os cafés? Só de ler o texto já senti o aroma por aqui, rsrs.

    Beijo

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  5. Poxa, que chato! Que todos se recuperem e que seu paladar lhe presentei com mais memórias afetivas, e que, com sorte, mais crônicas sejam compartilhadas.
    Enquanto eu lia, me veio a lembrança da primeira vez que me encantei com o café coado açucarado, culpa de uma tia, que tinha A mãe para agarrar qualquer um pelo paladar...
    Obrigada, moça!

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  6. Primeiramente ,desejo melhoras para você e a sua familia.

    Amei bastante o seu post ,de como o café acaba estando presente de diferente formas na nossa vida .Eu viajei um pouco nas minhas lembranças com café .

    Amei o post

    Beijos e de novo , espero que em breve estejam todos melhores

    Beijos

    https://mundinhoquaseperfeito.blogspot.com

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  7. Olá, Pandora.
    Que postagem linda. Mas eu particularmente não gosto de café hehe. Aqui em casa estamos nos recuperando da Covid e tem cheiros que ainda não sinto e gosto só doce e salgado hehe. Espero que estejam melhores por ai.

    Prefácio

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