sábado, 4 de julho de 2015

Saudades [Blogagem Coletiva do 1º Sábado #2]


Em algum momento desse período entre os 25 e 30 [tenho 29 anos agora] ocorreu-me: viver é também acumular saudades. Não sou nem mesmo uma pessoa idosa, mas já acumulo tantas saudades.

Tenho saudades da biblioteca da escola do ensino fundamental 2 e média, mas não a de agora. Meu sentimento é por aquela versão localizada na penúltima e imensa sala do terceiro corredor. Tinha uma árvore na frente dela na sombra da qual um dia a professora Christianne decidiu dar uma aula para uma turma que não era a minha... Por dentro ela era dividida em quatro partes, arejada, com muitos basculantes e ventiladores. Silenciosa, mas permitia ouvir os barulhos de fora. Sem condicionadores de ar. Perfeita... Quando eu preciso de paz, fecho os olhos e volto para lá.

Tenho saudades da Erica, de seu sorriso cujo som lembrava o tinir de sinos... Ela tinha longos cabelos castanhos, era muito magra, alta, falava alto, era conscienciosa com a condição de moradores de ruas... Alegre... Entre os 13 e 14 anos, adorava romances de banca... Quando leio meus diários simplesmente gostaria de não ter desperdiçado o tempo brigando tanto... Eu lamento tanto cada discussão desnecessária. Nós vamos nos encontrar na Eternidade e no entanto, nesse exato momento, gostaria de poder me encontrar com ela nas redes sociais ou na esquina de qualquer rua de Recife... Me pergunto se um dia, vai doer menos encontrá-la na paginas dos diários.

Tenho saudades do meu amigo Felismino, da confiança mutua na opinião um do outro, dos encontros na igreja nas manhãs de domingo, das caminhadas para casa. Nossas conversas eram feitas de planos para o casamento dele, conflitos do meu namoro/não-namoro, experiências de escrita, coisas da docência, família... ternuras... Aquela rotina de fazer acontecer as aulas e as festas de um departamento infantil com cerca de uma centena de crianças sustentado por menos de uma dezena de adultos mal pagos, porém capazes de atitudes de desprendimento sem tamanho. Certos amigos ajudam a construir nosso caráter, são moralmente edificantes, deixam marcas na forma através da qual decidimos quais atitudes tomar diante das situações da vida. Essas amizades só podem ser interrompidas por algo definitivo. São inesquecíveis.

Tenho saudades das sombrinhas com as quais Voinha me presenteava. Sou uma pessoa área e esquecida, completo ano no penúltimo dia de Maio, Junho é tradicionalmente um mês chuvoso em Recife e por isso Voinha sempre me presenteava com sombrinhas. Sinto saudades não só das sombrinhas, sinto saudades do jeito resmungão de Voinha, de como ela comia pouco e ainda xingava a pobre comida, do seu sarcasmo, do seu cheiro, da pele dele... Meu Deus como Voinha reclamava das coisas kkk... Parece uma versão minha 50 anos mais velha... Ou eu sou uma versão dela 50 anos mais jovem? Eu me encontro com ela cada vez mais, enquanto me vejo instintivamente fazendo coisas como ela fazia, especialmente aquelas que me aborreciam profundamente... kkkk...

Me pego descobrindo várias e variadas saudades:

De quando meus tios me colocavam em cima de seus ombros e eu era um gigante;
De dormir com tia Neide;
Da terceira série;
De conviver diariamente com Aline;
Do gosto dos chocolates trazidos por meu pai para mim e meu irmão;
Dos brinquedos vindos dos interiores do Nordeste;
Das enormes barras de doce de leite da minha infância;
Dos litros de mel vindo do Sertão;
Das longas conversas com seu João lá da venda;
Da turma do ônibus dos meus dias de graduação;
Do tom de voz e da forma de se expressar da minha orientadora do mestrado;
Das visitas ao arquivo em minha época de mestrado;
De ir sozinha ao cinema depois de passar a tarde pesquisando no arquivo da Fundação Joaquim Nabuco;
De encontrar a Bella na parada do ônibus, esquecer o cinema e ficar de papo sobre tudo e nada;
Da primeira infância de algumas crianças, hoje na segunda infância;
Da segunda infância de alguns adolescentes;
Da terrível adolescência (quem diria?) de algumas mulheres e homens agora adultos...

Quanto mais me concentro, mas penso nas coisas das quais sinto saudade... Mas, vejam só, nesse esforço de memória, constato absurdada: saudade não é propriamente sinônimo de falta ou de ausência.

Todas as coisas das quais sinto saudades são coisas minhas... Experiências, pessoas amadas, conversas, realizações, fazes da vida presas no passado, mas não necessariamente perdidas...

Nossa... De repente me pergunto se essas experiencias e pessoas das quais tenho saudades não estão necessariamente perdidas, se elas não estão logo ali ao alcance da lembrança... Embora não possa mais morar com elas, posso visitá-las, cultivá-las, não deixar que se percam.

Lembrar talvez seja uma eterna forma de resgate.

Saudade talvez seja um sinal de vida; espaços preenchidos; sonhos sonhados; experiências vividas, desejos realizados...

Talvez sentir saudade não seja, como estive pensando até um momento atrás, um tipo de estranha coleção de ausências. Talvez, seja o contrário, talvez saudade seja um conjunto de inúmeras presenças.

Quem sabe saudades não é a soma das pessoas e experiências marcantes ao ponto de não poderem ser esquecidas ou ignoradas, mesmo quando fazem parte de um passado impossível de ser recuperado por qualquer caminho além do oferecido pela memória.
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Esse texto faz parte da Blogagem Coletiva promovida pela Ana Paula e pela Tina Bau Couto.
Para conferir as outras participações basta ir lá no "Lado de fora do coração".

14 comentários:

  1. eu gosto de ter boas lembranças que dão saudades. beijos, pedrita

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  2. que linda tuas saudade e são tantas. Todos as temos na memória momentos assim.Pessoas que hoje já não estão, bibliotecas e seus cheirinhos, tanto,enfim.... Lindo te ler! bjs, chica

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  3. Eu chorei com a tua escrita carregada de saudades.
    Beijo!

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  4. Nossa, que profundidade! Caprichou no post. Ficou bonito, poético e nostálgico até pra quem não viveu tuas experiências.
    Abraço forte!

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  5. Eita pandinha, esse texto ficou lindo demais! Senti um bocado de paz agora. Que projeto é esse do vitor hugo? Eu ando querendo ler os miseráveis desde o início do ano, mas tá caro demais kkkkk.

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  6. Que viagens
    Que parecida somos
    Quanto de nós há nas nossas saudades
    Na presença delas
    Vou vir ler de novo e entre as suas saudades listar, visitar e me fortalecer e porque não me enfraquecer com as minhas
    Um brinde ao que vivemos e fomos e que é parte de quem somos
    Prefere com Falta uva, mix de tds os refrigerantes da máquina, vitamina de banana ou água da pia?

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  7. Oii, Pandora! Nossa, é incrível como ler sobre a saudade de outra pessoa faz com que a gente também sinta enorme saudade das nossas próprias coisas que passaram! Tive uma amiga lá na infância que hoje também adoraria reencontrar, *O* O seu texto lindo transmitiu muita paz e aposto que as memórias que afloraram em cada um que leu são tão bonitas quanto as suas! <3 Bjos

    Tici | www.bibliophiliarium.com

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  8. Olá, Pandora!
    Lendo seu texto, coisas que eu achava que havia deixado lá no passado, ressurgiram na memória!
    Creio que certas passagens da nossa vida, devam ficar realmente só na saudade!
    Grande abraço e bom fim de semana!

    Link Direto

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  9. Oi Pandora!
    Sabe que eu li essa madrugada tua participação e me empolguei a participar também? Porém, lendo as demais participações, vejo que ela é pessoal e não opcional. Acabei escrevendo um conto de Natal fora de época, hahahaha! Mas como disse à uma das criadoras da BC, pelo menos valeu a inspiração intensa e profunda, o que é típico de minhas inspirações.
    E de todas as participações que li até agora (faltam só duas) a tua é a que mais acumulou saudades! Realmente, tu é uma pessoa saudosista por natureza. Não sei se isso seja bom ou ruim para si, mas parece que já encontrei um pouco do teu lado incrível como pessoa. :)))
    Muitas das tuas saudades são tocantes, como a da Erica. Tenho acompanhado uma mãe cujo filho de 17 anos se enforcou em dezembro de 2014 e acredito que a dor do luto, nunca irá doer menos Pandora... Nunca. :'(
    Mas existem outras saudades aqui que parecem fazer o sentimento de saudade, tão mal visto, como algo gostoso. O gosto do chocolate que teu pai trazia, longas conversas com João da venda, ir ao cinema sozinha, as amizades...
    E adorei o jeito que de repente, em meio ao texto, encarou a saudade. Acho fascinante quando as pessoas escrevem e as ideias vem espontaneamente justo no momento da escrita, não uma inspiração planejada.

    "A saudade é um conjunto de inúmeras presenças".

    Com certeza, a soma que tu fez é perfeita, porém, no meu ponto de vista, tirando algumas coisas como as que citei, geralmente é dolorida.
    Beijos e bom fim de semana para ti.

    Rivotril com Coca-Cola

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  10. Olá Pandora como vai? Vim retribuir a visita e te conhecer e confesso me enchi de saudade t lendo e também me encontrei em tuas saudade, da biblioteca, dos diários, dos planos , do tocar de sinos na escola, ah! quanta coisa boa a gente vive. Eu fazia diários sabe desde minha adolescência de ínicio chamavam questionário e a gente ia passando aos amigos que iam respondendo, depois passou pra agenda eu anotava e colava tudo que recordasse um momento especial, papel de bala, bilhete de circo, fio de cabelo e um texto sempre em forma de poesia que só eu e minnhas amigas que vivenciaram comigo saberiam do que se tratava, hoje meu diário é o Poesia do Bem, mas ainda sinto a fanta dos cadernos da caneta e da colagem de lembranças. Estou te seguindo , me siga também e vi que és de Recife né? sou do RN. Bjs

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  11. Ah! Se desejar por favor me siga na fanpage do facebook Poesia do Bem
    https://www.facebook.com/PoesiaDoBem?fref=ts
    Amei teu blog

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  12. Olá Pandora, como é linda sua saudade, sem nada de tristeza.
    Até da dor, só guardou alegrias.
    Essa é uma saudade boa, que queremos sempre presente.
    Amei seu texto, amei sua pessoa, construída de lindos momentos
    Obrigada, abraços carinhosos
    Maria Teresa

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  13. Oi, Pandora!
    "saudade não é propriamente sinônimo de falta ou de ausência". Até porque você citou pessoas do seu convivio diário, daí não é saudade da pessoa, mas sim de quem você era ou da situação em si.
    Enquanto li o seu texto, pensei: Ainda bem que algumas pessoas continuam na saudade. Pois não sei se conseguiria conviver com algumas pessoas que participaram da minha infância e adolescência. Nós mudamos, as pessoas também mudam e colocá-las em algum lugar do passado continua sendo o melhor lugar para elas. Não estou dizendo por você, mas por mim. Vou tomar como exemplo uma menina que se achava a sabichona e era impertinente em controlar os amigos. Quando criança, achava graça naquele teatro - hoje não mais!
    Alguns acontecimentos não deveriam estar no lugar denominado saudade - viu que o Vitorio lembrou de coisas para sentir saudade? A Ana Paula se emocionou... estamos somando saudades a cada ano que passa e conversar sobre o passado gera mais saudade. Saudade é o fato que todo dia lembramos e que nos persegue como uma obsessão. Tem saudade que não nos deixa ficar sozinhos, pois invade e ocupa todos os espaço da nossa mente.
    Saudade: presença dos ausentes (Olavo Bilac)
    Beijus,

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  14. Olá, querida Pandora
    Adorei ver o roteiro das suas saudades e vou fazer as minhas pois só fiz até hoje das minhas alegrias... Gostei muito da ideia...
    Bjm fraterno

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