segunda-feira, 23 de abril de 2012

Reconheço que não gosto da realidade...


"Reconheço que não gosto da realidade, que jamais gostei. Acatei como pude quando já não havia mais jeito de esquivar-me de suas leis, mas o texto dessas leis - que além do mais, são tantos - não entra na minha cabeça. Mal o retenho com um alinhavo precário, e de uma hora para outra o esqueço. Vou de sobressalto, desfazendo os nós confusos que atrapalham a tarefa, e sempre fico em dúvida se os desfiz direito."
(Carmen Martin Gaite, Nebulosidade Variável, p. 105)

Quando eu era criança meu pai costumava me "atormentar" me chamando de "Mundo da Lua", afinal, eu era levemente desatentar, vivia voando, sonhando acordada, fora do tempo presente. Mesmo sendo uma criança comunicativa sempre fui capaz de grandes momentos de introspecção, tão longos e profundos que o mundo poderia desabar e eu não veria.

Atravessei a adolescência desejando vencer essa capacidade de introspecção, controla-la, torna-la mais conveniente a minha realidade e nesses poucos anos de vida adulta percebo que tive ou tenho tido muito pouco sucesso nisso.

Eu não suporto a realidade em tempo integral... Ela me foge enquanto eu tenho alinhava-la de forma precária e continuo sonhando acordada e experimentando a dureza do chão enquanto não descubro por qual caminho se consegue "cair para cima".

Como escreveu Fernando Pessoa:

"Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja —
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar."

Mas, voltando ao paragrafo que deu inicio ao post, ele saiu do livro "Nebulosidade Variável" cuja leitura  seguida de uma forte identificação com as protagonistas e a amiga que me emprestou tem "me lembrado de não esquecer" que sofrer de inadequação crônica a certas formas da realidade não é um privilégio meu...

Talvez sejamos muitos espalhados pela multidão prestes a nos encontrar nas curvas do tempo, em becos improváveis, restaurantes em Shangai e momentos da vida...


14 comentários:

  1. Odeio a realidade, mas gosto dos seus textos.

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  2. Pandora, você escreve lindamente, cita coisas muito bem ditas e acho que essa sua inadequação é, de maneira geral, a mesma para quem vive essa realidade atual, tão confusa, tão vazia. O mundo não está legal, mas é esse que temos, então vamos tirar o melhor dele.
    Suas inquietações têm a ver com sua idade, também, como já lhe disse. E sua grande capacidade intelectual vê além do que se apresenta, busca ainda o que não veio, mas virá, continue a esperar, procurando, estudando, aceitando.
    Beijo!

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  3. Oi Pandora!
    Ainda bem que te encontrei numa "curva virtual" da vida, me identifico muito com o que você escreveu. Minha mãe me diz que eu vivo muito no "meu mundinho", mas meu mundinho é tão bom ...de vez em quando eu ponho a cabeça pra fora, mas depois mergulho novamente...
    Beijos... Elis Culceag.
    www.arquivopassional.com

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  4. Talvez voce esteja certa, o seu mundo é muito melhor que a realidade, nele você faz e disfaz, entra quem vc permite....nossa realidade é muito dura, as coisas acontecem de forma desordenada e errada, e se levarmos ela na realidade corremos o risco de perder o brilho que existe em seus olhos.

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  5. É muito bom escapar da realidade às vezes. Ela é dura por demais para se viver 24 horas nela. eu me permito viajar um pouco, me perder em pensamentos. É bom, de certa forma nos revigora.

    Abraços.

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  6. Será que existe uma realidade? Uma realidade comum é igual para todas as mentes?
    Searle tem uma teoria da qual nós nunca vemos as coisas como elas São na realidade. O pano de fundo não é o mesmo para todos.
    Então o que o real?
    Beijos e boa semana!

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  7. "Mesmo sendo uma criança comunicativa sempre fui capaz de grandes momentos de introspecção, tão longos e profundos que o mundo poderia desabar e eu não veria."

    Eu também fui assim na infancia e sou ainda agora adulta. Aos poucos estou descobrindo que é importante se ligar um pouco a realidade, é como Che Guevara diz: "Endurecer sem perder a ternura". Ainda bem que nos enconrtraos pandora pela blogosfera rss beijos!

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  8. Owww que lindo! Somos muitos espalhados pelo mundo. A gente bem que podia sair com uma plaquinha por aí, pra avisar quem somos, pra onde vamos (???) de onde viemos (???). Às vezes eu saio por aí com essas indicações... Usando minhas blusas do Star Wars, do Game of Thrones, com meu caderno do Validuaté que a Aninha fez, cito poetas, escritores em frases curtas, tenho tatuado uma marca registrada de uma banda... E nada! Não encontro minhas almas gêmeas. Minhas almas gêmeas ou estão muito longe, ou são personagens de livros vendidos a 5 reais porque ninguém soube perceber o valor dele. É foda!

    BeijoZzz

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  9. Conseguir introspecção em um restaurante em Shangai, não é para qualquer um. Admirável!! Esse não é um defeito, é uma qualidade. Para que eu consiga isso, tenho que me isolar. Beijus,

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  10. Fiz um comentário aqui e foi pro pau.¬¬
    Repetindo mais ou menos o que escrevi, você me deixou confuso pois sempre acreditei que minha fuga a realidade eram meus escritos. Mas, como você mesma pôde conferir, eles são tão reais!
    Eu nunca consegui escrever sobre mundos imaginários, elfos, dragões, ou seja, minha mente está sempre enraizada na realidade.
    Não sei se isto é bom ou ruim.

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  11. Cara Pandora...
    Tem essa coisa fluida que se agita aí por fora das nossas consciências, que na falta de uma definição melhor chamamos de Realidade.

    Eu nunca gostei dela e a recíproca é mais do que verdadeira, porque dona realidade também parece desgostar da minha pessoa.

    Você é (e acho que eu lhe disse isso uma vez) um ser humano genuíno. "Inquieto", é outra definição para isso.

    Inquietar-se não e escolha, não é?
    Se fosse, acho que não haveriam Inquietos no mundo (o que tornaria a paisagem da realidade algo tão monótono e morto como uma sopa fria), porque mesmos os inquietos são humanos (na plena acepção da palavra e muitas vezes mais humanos do que os outros)e todos talvez escolhessem se aquietar, não ver o que grita a própria consciência e seguir placidamente o restante da manada entorpecida.

    Nem todo mundo tem a feliz sorte de ser um mero figurante. Alguns são agraciados com o dom (se benção ou maldição, ainda estou para decidir, mas o pêndulo da balança oscila demais para ambos os lados). Dizem que há alguns poucos, cerca de 500 tribos esparsas de 500 indivíduos, a quem foi dado o papel de serem seres humanos autênticos e essa é por vezes uma carga pesada demais para se carregar sozinho. Estes são os inquietos. Estes são aqueles que fazem a diferença.

    O excesso de humanidade porém, pode esmagar uma pessoa. Daí a importância de encontrar os outros, ao menos um da sua tribo de pessoas reais. É um esforço que vale uma vida.

    Espero que você encontre os outros 499, em qualquer labirinto do mundo. Mas pode acabar descobrindo uma no quintal de casa e vai ficar perplexa se perguntando, porque esteve por tanto tempo, olhando para o lado errado.

    De minha parte, não tenho as mesmas duvidas do Imortal Fernando Pessoa (o ser humano mais genuíno que já conheci), e tenho certeza de que "tudo é sonho, como coisa real por dentro".

    É o meu modo de me subverter e subverter a lei da gravidade. Cair pra cima, é só consequência dessa certeza.
    E talvez nessa queda eu encontre os meus.

    Cheros!

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  12. Momentos de fantasia e introspecção são importantes em nossas vidas.. faz-nos aguentar um pouco mais a realidade que nos rodeio e que é impossível fugir dela. Não abafe seus momentos mundo da lua, eles são valiosos e nos fazem seguir em em frente, sempre.
    Bjus e boa semana linda,

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  13. Pandora,
    Sou um pouco como vc, detesto a realidade nua e crua. Preferiria estar sonhando e/ou vivendo no mundo cor de rosa. Já que quando criança só queria escutar histórias que acabassem bem. Mas hoje em dia, dizem que tenho meus pés encravados no concreto armado de tão pé no chão que sou...
    Amei seu blog e suas escritas!
    Beijos
    Adriana

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