ONTEM DE MANHÃ, descendo ao jardim, achei a grama, as flores e as folhagens transidas de frio e pingando. Chovera a noute inteira; o chão estava molhado, o céu feio e triste, e o Corcovado de carapuça. Eram seis horas; as fortalezas e os navios começaram a salvar pelo quinto aniversário do Treze de Maio. Não havia esperanças de sol; e eu perguntei a mim mesmo se o não teríamos nesse grande aniversário. É tão bom poder exclamar: "Soldados, é o sol de Austerlitz!" O sol é, na verdade, o sócio natural das alegrias públicas; e ainda as domésticas, sem ele, parecem minguadas.
Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta, se me fazem favor, hóspede de um gordo amigo ausente; todos respiravam felicidade, tudo era delírio. Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto. Essas memórias atravessaram-me o espírito, enquanto os pássaros treinavam os nomes dos grandes batalhadores e vencedores, que receberam ontem nesta mesma coluna da Gazeta a merecida glorificação. No meio de tudo, porém, uma tristeza indefinível. A ausência do sol coincidia com a do povo? O espírito público tornaria à sanidade habitual?
Chegaram-me os jornais. Deles vi que uma comissão da sociedade que tem o nome de Rio Branco, iria levar à sepultura deste homem de Estado uma coroa de louros e amores-perfeitos. Compreendi a filosofia do ato; era relembrar o primeiro tiro vibrado na escravidão. Não me dissipou a melancolia. Imaginei ver a comissão entrar modestamente pelo cemitério, desviar-se de um enterro obscuro, quase anônimo, e ir depor piedosamente a coroa na sepultura do vencedor de 1871. Uma comissão, uma grinalda. Então lembraram-me outras flores. Quando o Senado acabou de votar a lei de 28 de setembro, caíram punhados de flores das galerias e das tribunas sobre a cabeça do vencedor e dos seus pares. E ainda me lembraram outras flores...
Estas eram de climas alheias. Primrose day!
Oh! se pudéssemos tem um primrose day! Esse dia de primavera é consagrado à memória de Disraeli pela idealista e poética Inglaterra. É o da sua morte, há treze anos. Nesse dia, o pedestal da estátua do homem de Estado e romancista é forrado de seda e coberto de infinitas grinaldas e ramalhetes. Dizem que a primavera era a flor da sua predileção. Daí o nome do dia. Aqui estão jornais que contam a festa de 19 do mês passado. Primrose day! Oh! quem nos dera um primrose day! Começaríamos, é certo, por ter os pedestais.
Um velho autor da nossa língua, — creio que João de Barros; não posso ir verificá-lo agora; ponhamos João de Barros. Este velho autor fala de um provérbio que dizia: "os italianos governam-se pelo passado, os espanhóis pelo presente e os franceses pelo que há de vir." E em seguida dava "uma repreensão de pena à nossa Espanha", considerando que Espanha é toda a península, e só Castela é Castela. A nossa gente, que dali veio, tem de receber a mesma repreensão de pena; governa-se pelo presente, tem o porvir em pouco, o passado em nada ou quase nada. Eu creio que os ingleses resumem as outras três nações.
Temo que o nosso regozijo vá morrendo, e a lembrança do passado com ele, e tudo se acabe naquela frase estereotipada da imprensa nos dias da minha primeira juventude. Que eram afinal as festas da independência? Uma parada, um cortejo, um espetáculo de gala. Tudo isso ocupava duas linhas, e mais estas duas: as fortalezas e os navios de guerra nacionais e estrangeiros surtos no porto deram as salvas de estilo. Com este pouco, e certo, estava comemorado o grande ato da nossa separação da metrópole.
Em menino, conheci de vista o Major Valadares; morava na Rua Sete de Setembro, que ainda não tinha este título, mas o vulgar nome de Rua do Cano
Todos os anos, no dia 7 de setembro, armava a porta da rua com cetim verde e amarelo, espalhava na calçada e no corredor da casa folhas da Independência, reunia amigos, não sei se também música, e comemorava assim o dia nacional.
Foi o último abencerragem. Depois ficaram as salvas do estilo.
Todas essas minhas idéias melancólicas bateram as asas à entrada do sol, que afinal rompeu as nuvens, e às três horas governava o céu, salvo alguns trechos onde as nuvens teimavam em ficar. O Corcovado desbarretou-se, mas com tal fastio, que se via bem ser obrigação de vassalo, não amor da cortesia, menos ainda amizade pessoal ou admiração. Quando tornei ao jardim, achei as flores enxutas e lépidas. Vivam as flores! Gladstone não fala na Câmara dos Comuns sem levar alguma na sobrecasaca; o seu grande rival morto tinha o mesmo vício. Imaginai o efeito que nos faria Rio Branco ou Itaboraí com uma rosa ao peito, discutindo o orçamento, e dizei-me se não somos um povo triste.
Não, não. O triste sou eu. Provavelmente má digestão. Comi favas, e as favas não se dão comigo. Comerei rosas ou primaveras, e pedir-vos-ei uma estátua e uma festa que dure, pelo menos, deus aniversários. Já é demais para um homem modesto.
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Ontem foi dia 13 de Maio, o Dia da Abolição da Escravidão no Brasil, por inúmeros motivos essa data não é comemorada, é mal lembrada e o mais que se possa dizer... Mas, a Abolição foi a primeira grande luta social na qual homens e mulheres brasileiras empenharam vida, trabalho, esforço e o mais que se possa pensar e venceram em esforço conjunto...
No dia 14 de Maio Machado fez publicar esse texto que ai está... Com toda humildade de minha pouca importância público esse texto por aqui.
Interrompo minha pausa para gravar aqui as letras do Bruxo do Cosme Velho, o meu primeiro amor literário afro-negão, meu primeiro chato do coração. Inesquecível como todo primeiro amor!
Interrompo minha pausa para gravar aqui as letras do Bruxo do Cosme Velho, o meu primeiro amor literário afro-negão, meu primeiro chato do coração. Inesquecível como todo primeiro amor!
Depois desse "banho" de cultura e literatura, dá pra me contar simplesmente como vai você? Tou com saudades... Bjo
ResponderExcluirFantástico esse texto! Aliás como tudo de Machado, que também aprecio demasiadamente. Eu não o conhecia. Abraços e um ótimo dia. paz e bem.
ResponderExcluirEu sempre digo que se você procurar bem sempre acha um texto de Machado sobre qualquer assunto, rs
ResponderExcluirTambém lembrei da data lá em casa.
bjs
Jussara
Tem razão, muitas poucas pessoas se lembram desse dia... E tem umas que nem querem lembrar
ResponderExcluirAdorei o texto, muito sucesso pra você
Jaci, tenho que dizer que ri pra porra com teu comentário lá no meu blog ahuhauahuahuahuhuaha pallomma tbm riu demais :p só tem tu msm! bjoooooooo
ResponderExcluire bom post =D
Que coincidência, hoje estava justamente lendo um texto sobre cultura e história africana!
ResponderExcluirBjs
Não li o texto sobre Machado...olhei somente a referência sobre a liebrtação dos escravos. Mas o que realmente gostei foi teu comentário na Dama..sobre as pessoas que aceitam as diferenças. Obrigado pela visita.
ResponderExcluirobrigada querida, pelos votos de feliz aniversário... foram muito importantes! obrigada de coração!
ResponderExcluirMaravilhoso ler esse texto de Machado de Assis. Uma data de suma importância que para uma grande maioria ficou no esquecimento.
ResponderExcluirEu senti a necessidade de voltar a ler Machado de Assis que estou agora relendo Helena que encontrei em minhas arrumações. Sempre bom ler Machado de Assis;
Saudades daqui e agora vejo que estás com nova decoração que está muito linda.
Beijos e um bom final de semana
Olá amigo!
ResponderExcluirMeu blog está comemorando 1 ano de existência nessa segunda-feira, 23 de maio de 2011, e por isso pensei em fazer algo especial para homenagear essa data tão importante para mim. Por isso, quero saber o que representa para você a frase “SER FELIZ É SER LIVRE” que encabeça o meu blog. Pode ser um pequeno texto, uma simples frase, uma mensagem, um verso, uma palavra ou qualquer coisa que lhe venha à cabeça.
Por favor, não deixe de participar, pois a sua opinião é MUITO importante para mim.
Bjoxxxxxxxxxxxxxxxx no coração!