O dia 20 de Novembro de 2022 foi um dia muito triste! Sinto muito que as coisas tenham acontecido assim, se eu pudesse fazer algo para evitar eu faria. Aliás, tudo que faço na vida é tentando evitar momentos como esse.
Desde sempre, quem é da periferia sabe desse perigo, sabe dessa possibilidade, sabe e vê acontecendo. Alguns de nós crescem e empenham a sua vida em lutar contra esse sistema ceifador de vidas de crianças e adolescentes. Esse sistema de violência e dor, vício e tráfico. Esse sistema que enriquece poucos e empobrece muitos. Acontece hoje, acontecia anos atrás e a gente luta contra, rema contra a maré, da tudo o que tem, é guerra. Eu tenho guerra dentro de mim.
E nada nos prepara para as derrotas monumentais, os fracassos pedagógicos, os dias de luta sem glória, a perda, um estudante morto na saída da escola no penúltimo dia de aula com a prova na mão, minutos depois de ter falado com a gente perguntando: "Professora, eu passei de ano?".
Quando Guilherme nasceu em 2007, eu já estava estudando História na Universidade Federal Rural de Pernambuco, já era Educadora Infantil da Prefeitura do Recife. Já era a pessoa que queria encontrar com meninos como ele, com sorrisos no rosto, olhar sagaz, eternamente tentando me enrolar para não fazer os exercícios, abrindo o caderno SÓ DEPOIS de ouvir um: "Vamos abrir o caderno?", aquele pedido em tom de ordem seguido da reclamação, "Pelo amor de Deus, vocês não são crianças pequenas para eu ter que mandar abrir o caderno!".
Quando Guilherme nasceu, eu já estava no 5º Período de História e já tinha alguma consciência do quanto é difícil para uma professora ajudar crianças a não se tornarem estatística da violência urbana as periferias do Recife e Região Metropolitana. Nenhuma consciência torna essa situação menos triste, menos arrasadora, menos sentida, menos difícil de ser vivida.
Então, estou escrevendo aqui, pois a memória é algo no qual não confio plenamente. Não quero esquecer do dia 20 de Novembro de 2022, esse dia tão triste. Não quero esquecer de quando saí da escola e encontrei uma rua esvaziada, sem a presença e a alegria barulhenta e furiosa dos estudantes. Uma rua deserta mergulhada nesse entardecer silencioso, com essa tristeza aflorando das pedras... Desse cenário onde as coisas aconteceram de forma tão trágica.
Estou escrevendo sobre isso para não esquecer do garoto na porta sala que sorria mesmo quando era pego em estado de desobediência; que não dava trabalho as professoras, mas dava trabalho a supervisora por gostar de escapar da sala; do rapaz alto com brinco na orelha, uma mascara da tragédia/comédia do teatro grego de prata; amigo de seus amigos e amigas. Aquele que sorria mesmo quando levava bronca, as vezes se irritava, mas se controlava e obedecia a contra-gosto. O estudante que "esquecia a caneta", quantas vezes te emprestei as minhas, trazia o caderno eternamente bagunçado para a minha correção cotidiana, fazia meio contra vontade os exercícios, mas fazia. Aquele com sorriso torto, que fez umas escolhas enviesadas e imprudentes, não ouviu os conselhos da família, dos amigos, dos professores, ficou muito feliz por ter passado de ano, me pediu para vê a sua nota, eu mostrei, foi votar na eleição escolar para gestoras, assinou a ata, votou, saiu da escola com uma prova na mão... e sinto muito que as coisas tenham acontecido assim... como disseram seus amigos, você está em nossos corações, estamos de luto por você.
Que triste relato e na certa ficará gravado na memória de quem com ele viveu e /ou conviveu. Emocionei aqui!
ResponderExcluirApesar de tudo, desejos que tenhas um Natal cheio de amor e Paz! beijos, chica
muito triste.
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