Enquanto Recife foi se tornando um lugar de passagem...

Falhei, confesso! Estamos em vésperas de Natal e falhei no objetivo era manter o blog atualizado ao longo do ano inteiro e não consegui esse feito. Novembro, por aqui, passou em branco, um grande hiato de coisas não registradas. A correria de aprender a cuidar de uma casa sozinha, lidar com as coisas de minhas dez turmas de História do Fundamental 2, minhas amigas e amigos tentando me ajudar com as coisas de minha mudança, a nova rotina com meus pais, a dolorosa ausência cotidiana do meu gato e vê minha cidade natal, Recife, se tornando um ponto de passagem.

Não tinha grande expectativas quando decidi sai da casa dos meus pais. Com trinta e cinco anos, já aprendi que as coisas tem o costume de não serem como a gente imagina e consequentemente aprendi a não criar expectativas. Posso até criar castelos feitos de nuvens, no entanto tenho ciência de que, mesmo quando conseguimos tornar nossos castelos concretos, ocupa-los nunca é como esperamos. Criar e ocupar um ninho feito sob medida para mim mesma é uma aventura cheia de acertos e erros, de coisas que valem a pena e coisas que causam arrependimento. De vez em quando sinto certa angustia, penso vou falhar e perco o folego, mas as vezes também aparece um arco-íris na minha janela e subitamente tenho a impressão de está dando passos acertados.

Me arrependo amargamente de não ter levado Lion comigo no primeiro dia. Me faz falta. É meio fora de contexto dizer isso aqui, mas é isso. Sinto falta da minha mãe, é claro, mas não era uma opção levar ela comigo, já Lion era. Sei quais foram meus motivos, os acho justos e ainda assim é difícil, é o mais difícil.

Escuto muito, muito, muitooooooooo mesmo kpop. As vozes quase alienígenas dos cantores coreanos enchem os ambientes da minha casa. Monsta X, Wonho, Super Junior, Yesung, Kyuhyun, Ryeowook e tantas outras vozes são o ruído branco, azul, vermelho dos meus dias. Um oferecimento de Dona Candy e Dona Luci. Gratidão por terem me dado suas paixões, ou melhor, por terem dividido comigo esse muito.

O mês de novembro passou, mas foi cheio de dias looooongoooos. Dias imensos em um mês que voou sem me deixar tempo ou disposição para escrever. Longos dias de aula nessa minha Disneyland tão tensa de se trabalhar, imagina brincar. Essa escola na qual a vivência da sala de aula consegue ser, apesar de cansativa, até boa enquanto os corredores são capazes de exaurir até motor a energia nuclear. A tensão é capaz de intoxicar o ar, alterar o sabor da água, inflamar a pele, mexer na constituição dos ossos e me fazer pedir a Deus que proteja minha medula. Os motivos de tal tensão são difíceis de numerar e nomear, o jeito com o qual o anunciei aqui pode fazer parece exagero, mas não é. Quem está vivendo essa Era sabe o quanto minhas palavras condizem com a realidade vivida.

Só não sou o único ser vivo em minha casa porquê tem uma lagartixa vivendo comigo, escondida nos cantinhos dos frisos do gesso no teto. Vivendo comigo mesma, estou descobrindo coisa sobre mim que eu não sabia. Surpreendentemente, me pego limpando o chão, varrendo, passando pano. Lavando todos os pratos antes de dormir para acordar com a pia limpa com a mesma frequência com que deixo tudo sujo e vou passar três dias na casa dos meus pais. Uso objetos herdados de meus pais, uso coisas com as quais meus amigos e amigas me presentearam recentemente e também há anos. Esperava ser uma dona de casa caótica e me pego organizando coisas enquanto cozinho uma comida cheirosa e saborosa ouvindo kpop. E ouvindo vou a academia e volto e planejo aulas, atualizo os diários de classe, leio... vivo minha vida domestica.

Alguns dos meus amigos se reuniram e me presentearam com uma maquina de lavar e uma mesa de madeira bem bonita. A principio, surpreendentemente, fiquei aborrecida, comovida, emocionada, chorosa, absurdada, tudo ao mesmo tempo dentro de uma crise de choro. Conheço essas pessoas, sei de suas dificuldades e possibilidades, não esperava algo assim e nem sei se mereço. Fiquei constrangida, ainda estou constrangida, não sei quanto tempo esse constrangimento vai durar, mas também me sinto grata pelo afeto, cuidado, ternura, presença e presente.

Estou usando a maquina bastante e pretendo usar a mesa também. Não sou uma grande decoradora, todavia espero ser capaz de construir ao redor dessa mesa um ambiente agradável para as pessoas sentarem e fazerem uma refeição enquanto jogamos conversa fora sobre o tudo e o nada.

Essa é minha vida acontecida em novembro de 2021 enquanto Recife foi se tornando um lugar de passagem. Minha cidade natal tão querida, meu lugar no mundo. Essa cidade antiga, caótica, quente como o Hell, hierarquizada, desigual, arruinada pela ambição de grandes comerciantes desde sua fundação, onde descendentes de pessoas africanas e indígenas se misturaram a pessoas pobre vindas de uma Europa muito diferente do glamour dos guias turísticos lutam por sobreviver a pobreza, ao desgoverno, a dengue, a pandemia, as chuvas, a violência cotidiana.

É isso! Obrigada a todas e todos que passaram por aqui ao longo desse ano. Obrigada por terem lido minhas anotações, por terem demonstrado solidariedade, ternura, afeto. Obrigada pelos comentários onde experiências foram compartilhadas e também por aqueles que foram só uma retribuição cordial por uma visita e comentário em um post no seu blog literário ou pessoal. A quem passou e não comentou e nem vai comentar, mas me desejou coisas boas, meu obrigada também.

Feliz Natal a todas e todos. Acredito firmemente em milagres de Natal por já ter vivido essa experiência por isso esse meu desejo não é vazio. As religiões complicam muito nossa vida de uma forma abstrata e concreta, mas o Mistério e o Milagre existem e acontecem e eu desejo o melhor a todo mundo. Que coisas boas nos aconteçam! Que a Providência de Deus nos alcance! Que Jesus no abençoe, nos perdoe, nos salve dos males cotidianos!