sábado, 2 de dezembro de 2017

"A Menina Submersa" de Caitlín R. Kiernan


Não foi um exercício fácil ler "A Menina Submersa" da Caitlín R. Kierna. Não está sendo um exercício fácil organizar as ideias para escrever sobre esse livro. Narrado em primeira pessoa, nele conhecemos Imp, uma garota esquizofrênica, com forte talento artístico e uma história familiar conturbada cuja vida se encontra afogada em histórias de fantasmas, lobisomens e sereias.

Ler livros em primeira pessoa tende a ser um mergulho na mente de outra pessoa. É sempre um exercício de ver, ouvir, tocar, sentir pelos olhos, ouvidos, corpo e sentimentos do narrador. Quando o narrador é alguém confuso; incapaz de seguir uma linha cronológica com começo, meio e fim; e nem sempre sabe distinguir verdade e ilusão o livro tende a ficar complicado.

Aliás, complicado é um bom adjetivo para "A minana submersa". Embora muitas vezes o texto de Kiernan flua, emocione, cative, em vários momento ele trava, parágrafos se arrastam pela eternidade, o desconexo se faz presente e um incontável número de vezes senti os fusíveis do cérebro queimando e desconfiei que o povo no ônibus estava olhando para mim e sentindo o cheiro de plastico, ferro, vidro e carne derretidos. 


Kiernan usou e abusou do jogo de criar clímax e anticlímax, enrolar a narrativa seguindo o fluxo de percepção da realidade alguém esquizofrênico colocando em alto relevo a forma como essas pessoas sentem e percebem o mundo. Sem duvida essa opção narrativa dificulta a leitura, porém também confere ao livro uma riqueza difícil de ser alcançada tornando a leitura dele uma experiência original, inusitada, enriquecedora.

A narradora e protagonista do livro tem uma história familiar complexa, sua condição no mundo é uma herança de genética. Sua mãe e sua avó viveram e morreram sendo esquizofrênicas e conviver com elas deixou marcas profundas de dor e ternura na mesma medida. Quando nós encontramos a Imp ela está sozinha, sua namorada a deixou e ela sofre sendo a assombrada por alguém que é real e irreal na mesma medida, ela escreve para digerir a vida e nós acompanhamos a sua digestão. Ela nos conta da sua infância, sobre sua arte, seus medo, sua ternura, suas perdas, seu amor... sofrimento... traumas... abandono...solidão... a complexidade deliciosa e maravilhosa que ela tem si e é. Acompanhar alguém SER é MARAVILHOSO e ANGUSTIANTE, não há como fugir disso.


Não foram poucas as vezes nas quais me peguei emocionada com a história de fantasmas, lobos e sereias da Imp, não foram poucas as lágrimas, sorrisos ou momentos de empatia profunda. Não sou esquizofrênica ou uma mulher lésbica em uma sociedade heteronormativa, mas tenho meus fantasmas, minhas histórias funestas, meus medos, a memória de cantos de sereias... Nas palavras de Sergio Sampaio: "vivem dentro de mim esses bichos, são os pais e mães dos meus lixos e as vezes me levam de mal a pior".

Esse foi um dos livros mais difíceis de 2017, também um dos mais bonitos e reconfortantes. Ele me perturbou tanto quanto me consolou. Achei linda a forma como Caitlín R. Kiernan dialogou com a mitologia grega, contos de fadas, Heródoto e Charles Perrault. O livro dela muitas vezes me lembrou um quadro de Van Gogh cheio de luz e escuridão e peso e drama e amor abraçando tudo. Recomendo para quem gosta dessas coisas densas, enroladas e muitas vezes desconexas com finais abertos e ternura.
"A vida não se desenvolve em roteiros ordenados e o pior tipo de artifício é insistir que as histórias que contamos, para nos mesmos e uns para os outros devem ser forçadas a se conformar ao roteiro, narrativas lineares de A a Z, três atos, os ditames de Aristóteles, ação elevada e clímax e ação decadente e, em especial, o artifício da resolução. Não vejo muita resolução no mundo; nascemos, vivemos e morremos, e no fim disso há somente uma confusão feia de negócios inacabados."(Caitlín R. Kiernan) 

9 comentários:

  1. Olá Pandora, tudo bem??
    Eu li este livro em 2015 acho e foi um livro super dificil de ler, porque a narrativa e a personagem era totalmente diferente de tudo que já tinha lido e acho que foi por isso que eu amei tanto ler. Te entendo nos sentimentos controversos. A Imp é uma pessoa cheia de personalidade e uma pessoa perdida, mas que vê o mundo a sua maneira e tenta sobreviver a isso, por isso ela é tão intensa. Adorei a sua resenha. Xero!!

    https://minhasescriturasdih.blogspot.com.br/

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  2. Adoro livros que tenham uma apresentação bonita e esse descreve muito isso, fiquei apaixonada pela capa! ❤

    www.kailagarcia.com

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  3. Oi Pandora!
    Não fazia ideia de que o livro era sobre uma menina esquizofrênica. Parece ser uma leitura complicada mesmo! Mas mesmo assim fiquei curiosa, leria o livro, mas já sei que tenho que ir com calma durante a narrativa.

    Beijos,
    Sora | Meu Jardim de Livros

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  4. Oi, Pandora!
    Quando comprei esse livro, estava louca pra ler. Mas o tempo foi passando e eu fui perdendo o interesse, tanto que já até passei pra frente. Espero algum dia voltar a ter interesse.
    Beijos
    Balaio de Babados
    Participe do Natal Literário e ganhe prêmios maravilhosos

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  5. Olá, Pandora.
    Esse livro não funcionou comigo. Achei a edição tão bonita, mas a história muito confusa. Eu já não sou fã de primeira pessoa e essa em especial é extremamente confusa. Eu pouco entendi da história, nunca sabia se era real ou não. Infelizmente não foi uma leitura proveitosa.

    Prefácio

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  6. Jaci, eu tinha uma dificuldade enorme em conseguir ler livros narrados me primeira pessoa, mas com o exercício da perseverança hoje até estranho quando pego algum que é narrado de outra forma.

    Das coisas que mais gosto neste tipo de narrativa é o de "entrar" na cabeça da personagem sendo levada pela própria personagem, não por um narrador, e isso sempre me causa uma impressão tremenda.

    Não conhecia o livro - tenho que me atualizar com o que publica a Darkside, mas ele me interessou muito.

    Resenha incrível, como sempre. Dois abraços!

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  7. Oi Pandora,
    Infelizmente não curti muito o conteúdo desse livro. Inclusive conversei com alguém que leu esse livro e acho que não é minha praia. Fico feliz que tenha gostado.
    Bjos
    http://www.kelenvasconcelos.com.br/

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  8. Olá Pandora!
    Ultimamente tenho fugido desse tipo de leitura, mas nada que não queira conferir mais para a frente. Tem momentos que a vida está tão complicada que prefiro algo para descomplicar.
    Apesar da dificuldade de conseguir falar sobre o livro a sua resenha conseguiu transnmitir muito bem a história.
    Beijos
    Saleta de Leitura

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  9. Olá Pandora!

    Este livro é tão incrível, não é mesmo?
    Uma leitura "difícil", daquelas que te testam, te levam a [re]pensar várias coisas... E que fica marcado dentro de você, como a ferro quente, mesmo depois de muito tempo.
    O li há uns dois anos e ainda hoje, depois de ler sua experiência de leitura, consegui reviver todas as sensações que tive enquanto o lia há tanto tempo atrás.

    Uma história que vai muito além do que se espera e que retrata belamente a complexidade do ser humano.

    Mais uma vez, parabéns por seu olhar tão próprio e peculiar para com os livros. Fico encantado ao ler seus relatos e pontos de vista.

    Beijo grande e forte abraço.
    Helder Guastti

    Sobre devaneios e fascínios educacionais: Confabulando com Tio Helder

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