Não é como se eu não soubesse desde sempre que as pessoas morrem. Eu sei disso, todos sabem, alguns menos e outros mais, mas todos sabem!
Também não é como se eu nunca tivesse dialogado com a ideia de morrer cedo ou tarde... Já nasci em uma família enlutada, nasci exatos nove meses apos a morte de Jaqueline, acompanhei ao longo da minha infância muitas das fazes do longo luto dos meus pais e talvez até tenha vivido de certa forma certo luto pela irmã mais velha que nunca conheci e nem poderia ter conhecido.
Lembro do dia no qual constatei sozinha e em pânico que se ela não tivesse morrido talvez eu não tivesse nascido e de ter sentido uma aflição culpada por algo que não fiz; da imensa gratidão que senti por um tio quando ele tirou o quadro de Jaqueline da parede da sala; da sensação de ir sorrateiramente da uma olhadinha escondida na fotos dela e na chupeta branca que ela nunca gostou de usar guardada por anos junto as lembrancinhas de "Dia dos Pais"; do dia no qual painho jogou a chupeta no lixo; de ter me arrependido por não ter guardado o objeto; de encontrar um vestido dela guardado nas coisas de mainha e deixado lá sem tocar.
Também sei que a morte nem sempre é repentina e todos os dias nós morremos aqui e ali... Um dia eu li os versos de Cecília Meireles e concordei tanto que nunca cheguei a esquecer deles:
"Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
....
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer..."
Não ignoro essas certezas. Mas hoje foi diferente, hoje a certeza da presença da Morte na vida me pegou de um jeito dolorosamente novo.
Em meio a um papo descompromissado regado a café, biscoitos secos e a boa e velha bagunça na cozinha de Mainha minha vizinha começou a falar de meus avôs e avós. Voinho Pedro e Voinha Rita, pais de Painho já não estão entre nós e no entanto suas histórias continuam firme e forte, viraram lendas e nos fazem tanto chorar quanto ri muito. A agora lendária chatice de Voinha, tão semelhante a minha, a força rude de Voinho, tão semelhante a de meu pai, foi abrandada pelo tempo me fazendo pensar que Painho Hulk será um ótimo Voinho besta e babão para meus filhos e filhas.
Até ai nada de inesperado, fazem poucos meses desde a morte de voinho e nós já estamos entrando naquela faze de lembrar para ri, para matar a saudades, para compartilhar momentos... O inesperado foi minha vizinha tocar no nome de Pai Elias, meu avô por parte de mãe que eu nunca chamei de Vô, Vovô ou Voinho e sim de Pai.
Do alto de seus 71 anos, Pai é um homem nada velho, ele é prá lá de ativo, inteligente, claro, separado de Mãe há quase 30 anos é mulherengo pra chuchu, animado, cheiroso, sem vergonha, capaz de me mimar bastante e eternamente do meu lado em qualquer pendenga. Sou a primeira neta dele (quer dizer depois de Jaqueline - como dizem os mais velhos da família que parecem ter um compromisso moral de não esquecer dela e se estou falando deles então é bom também lembrar). Pai me chama de "Menina Passarinho", sempre lembra de trazer frutas para mim e ama qualquer coisa que eu cozinhe para ele de feijão a torta de abacaxi.
Eu adoro Pai até debaixo d'água e nunca até a manhã de hoje me ocorreu a ideia existir, viver, respirar, amar, sorrir e chorar em um mundo no qual ele não existe para me chamar de Menina Passarinho e dizer que Painho não deveria me aperrear.
Mas, minha vizinha no meio das piadas e lembranças de Voinha e Voinho derrubou em mim essa dolorosa consciência ao construir umas frases simples. Ela apenas disse: "Seu Elias está ficando velho... Ei Jaci, aproveita teu avô porque nesses dias é ele que se vai vice!".
Pensando bem ela apenas transformou em palavras algo para lá de obvio, mas as vezes a coisa mais difícil de se ver é o que está de frente a nosso nariz. Bastou isso para a velha consciência da finitude me atingir como um soco no estomago capaz de dilacerar minhas forças e embaçar todo o azul do céu de verão.
Pensando bem ela apenas transformou em palavras algo para lá de obvio, mas as vezes a coisa mais difícil de se ver é o que está de frente a nosso nariz. Bastou isso para a velha consciência da finitude me atingir como um soco no estomago capaz de dilacerar minhas forças e embaçar todo o azul do céu de verão.
Se eu fosse conversar com minha mãe agora, sei que ela diria que isso tudo é besteira e me lembraria da possibilidade de Pai viver muitos anos mais, afinal ele não bebe regulamente, não fuma, dorme bem, é sexualmente ativo até demais para todos os gostos e é feliz. E ainda pode ser que minha mãe emendasse dizendo que a morte só quer uma desculpa por isso qualquer um de nós pode muito bem ir antes dele com toda a facilidade do mundo.
Mas, nesse momento não consigo assimilar essas conclusões simples, minha mente não funciona com clareza. Sinto-me apenas perdida e medrosa em relação a chegada desse dia terrível no qual as minhas pessoas queridas serão apenas lembranças.
Talvez por ainda estar de luto pelas pessoas que se foram de forma trágica naquela boate em Santa Maria (Qual brasileiro não sofreu ou está sofrendo com aquelas famílias?), pelas fragilidades naturais da TPM ou por qualquer outro motivo o certo apenas é que nesse momento computo em pânico apenas a sensação de não está definitivamente preparada para a chegada desse dia terrível no qual as minhas pessoas queridas serão apenas lembranças.
Alguém está?
Mas, nesse momento não consigo assimilar essas conclusões simples, minha mente não funciona com clareza. Sinto-me apenas perdida e medrosa em relação a chegada desse dia terrível no qual as minhas pessoas queridas serão apenas lembranças.
Talvez por ainda estar de luto pelas pessoas que se foram de forma trágica naquela boate em Santa Maria (Qual brasileiro não sofreu ou está sofrendo com aquelas famílias?), pelas fragilidades naturais da TPM ou por qualquer outro motivo o certo apenas é que nesse momento computo em pânico apenas a sensação de não está definitivamente preparada para a chegada desse dia terrível no qual as minhas pessoas queridas serão apenas lembranças.
Alguém está?
Por mais que saibamos, porque a única certeza que temos é da morte, estamos preparados para sua chegada. Vem a dor, um dia ela se transforma em saudade, e dói menos, mas sempre estará ali.
ResponderExcluirbeijo e uma ótima semana!!
Sou uma pessoa estranha e portanto convivo bem com a idéia da morte, mais a com a idéia da minha morte do que com a morte de que gosto, óbvio. Mas dentro de mim essa idéia de finitude sempre esteve presente, então não é a coisa mais difícil que tenho que lidar na vida.
ResponderExcluirBeijocas
Ninguém está preparado!
ResponderExcluirA Morte sempre nos pega desprevenidos... sempre achamos que aquela pessoa poderia ficar conosco mais um pouco... mas, a vida é assim.
Não se preocupe... não pense em se preparar e viva a lição maior que "Pai" está te ensinando (provavelmente sem saber): Seja Feliz!
Abração
Jan
Li seu post pela manhã e fiquei pensando nele até agora, final de tarde.
ResponderExcluirEu também cresci enlutada, busquei aprender com várias culturas, religiões. É um assunto sempre falado aqui em casa, mas quando a vida é subtraída de maneira inóspita, crianças e jovens principalmente, é difícil.
Beijo
Muito boa noite!
ResponderExcluirEsta é a primeira vez que visito teu espaço, e já de cara, encontro um assunto que gostei. Quero apenas lembrar que como no geral leio não apenas as postagens, mais ainda os comentários da mesmas postagens dos blogs que eu sigo, encontrei um comentário teu no blog da Cris, Dama de Cinzas, lá no Confissões Àcidas. E como você fêz referência à Recife, na postagem em que ela fala de carnaval, logo me veio à ideia de buscar o blog de uma conterrânea. E ao chegar aqui encontro uma postagem de um assunto, que hoje postei, que tem a ver exatamente com o que você escreveu aqui. Parece um pouco apelativo, mas como os assuntos se casam...
Bom, mas fico feliz em ver mais blogs de pernambucanos e pernambucas no ar. Isso mostra que existem mais e mais pessoas neste universo dos blogueiros que merecem no mínimo serem analisados.
Quanto à tua postagem em particualar, sinceramente, apesar de "conviver", se é que eu posso dize assim, constantemente com este assunto em mente, no dia a dia, posso apostar, e credito todas as minhas fichas nisso, de que que ninguém, em sã consciencia estamos cem por cento preparados para a perda ou para a morte. Até acredito que vamos nos preparando pouco à pouco. Mas, apenas o tempo e o momento pode nos dar melhor resposta.
Beijos na alma com o desejo de muita paz, sempre!
Eu tô aqui, do outro lado da mesa da cozinha de tua Mainha, bebericando este café gostoso e compartilhando contigo deste medo, deste vazio no estômago, desta certeza que não sabemos quem inventou mas que torcemos para que outro alguém a desinvente e nos provoque risos ao dizer que era tudo piada de 1º de abril; mas abril não chegou...e isto me mata todo dia, conforme o fez pra Cecília.
ResponderExcluirObrigada pela pausa, pelo café,pela conversa boa, viu, Jaci!
Bjos e boa semana, menina.
Calu
Oi minha linda.. que saudade estava de você..
ResponderExcluirA morte é algo que não gostamos nem mesmo de pensar né?
E quando pensamos que ela existe e chegará pra todos dá um medo danado.. porque ficar sem as pessoas que tanto amamos é horrível..
A dor da saudade machuca..
Um beijo minha linda e que sua semana seja cheia de boas notícias.. e muitos sorrisos viu?
A unica coisa que se tem certeza nessa vida é dessa passagem, pra quem fica um buraco enorme se abre, com o tempo ele para de sangrar, mas o buraco sempre vai existir, cabe a nós apenas saber lidar com isso, fazer da saudade um sentimento bom e não tão dolorido...cabe a você menina passarinho voar com seus bons pensamentos nas ótimas recordações que ficaram...mas enqto isso é mistério pra todos, não perca seu tempo com isso, trate de abraçar seu voinho e dizer o qto você o ama e a importância que ele tem na sua vida. Aproveite!!!
ResponderExcluirBjos
Acho que nunca estamos. Cada perda é um golpe que se sente forte, mesmo se já preparados para o impacto. Meu pai faleceu há cinco anos e, por mais que soubéssemos que havia um problema para o qual o único tratamento era paliativo, quando aconteceu o fato a casa toda desabou. É assim que funciona, nõ tem jeito. Depois o tempo trata de amainar tudo, e lá de longe dá até para olhar pra trás e sorrir de algumas coisas. E assim as coisa vão.
ResponderExcluirBeijo ;)
Bella, estou em paz, a hora que ela vier, tudo bem, vejo morte como vida renovação e passagem p/ um mundo espiritual, já ouviste falar de causa e efeito? Somos o que realizamos, e colhemos o que plantamos, no fundo deveríamos era ter medo da nossa capacidade de usarmos o livre arbítrio as vezes de forma "torta"...
ResponderExcluirTenha uma semana luz!
Bjoooooooooo
Quando comentou no Twitter sobre o momento nostálgico, não imaginei que fosse acerca deste assunto.
ResponderExcluirEu creio que nenhuma pessoa saiba lidar com a morte, assim como ninguém também tem o direito de antecipar a morte de alguém que esteja em plena saúde, lucidez, atividade, apenas pela ordem cronológica de sua existência. Temos esta ideia arcaica da idade e como citou o que aconteceu em Santa Maria, esta é a real, a morte leva muita gente que todos apostariam suas fichas de que não morreriam tão cedo.
E este post nos faz refletir, principalmente a nós blogueiros que lidamos com a palavra no dia-a-dia, seja postando ou comentando, o quanto palavras infelizes tem poder de causar impacto em uma pessoa.
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Ichi, Pandora... esse assunto povoou a minha mente por longos anos depois que perdi meu pai e minha madrinha. Tinha somente 5 anos e o meu medo era perder a minha mãe. Por isso fiz tudo certinho. Não lhe dava aborrecimentos, levava para passear, paparicava de todo modo, com presentes e carinho... mas papai do céu levou-a de mim. A coisa aconteceu de um modo, que quando ela se foi, eu era a mais tranquila. Talvez hoje, nem tanto. O tempo não é paliativo, não no meu caso. Mas o meu único medo é o mesmo medo de todos os pais, partir sem que os filhos estejam encaminhados. Então não penso na morte como fatalidade, mas como uma consequência de viver.
ResponderExcluirO mais engraçado foi que, quando escrevi um texto entitulado "Se eu morresse amanhã" conheci o grande amor da minha vida. Amar é sentir uma quase morte todos os dias (rs*)
Parabéns pelo aniversário do blogue! Você aqui envolvida com o aniversário do seu blogue e eu lá, no "luz" envolvida pelo mesmo motivo!
Boa semana!! Beijus,
Não, ninguém está preparado. Eu tenho um sério problema com essa coisa de finitude. Tenho problemas com fins, sempre tive. Mas a coisa piora quando se trata da morte. É algo extremamente doloroso pensar que todas as pessoas que amamos, inclusive nós, um dia vão morrer e passarão a ser apenas lembranças. Mas, ao mesmo tempo que é doloroso, é natural, é a ordem das coisas. O que a gente tem que fazer é aproveitar mesmo todos os momentos, porque, independente de idade ou qualquer coisa, todos podemos morrer a qualquer momento. Quando pensamos na morte, criamos coragem de viver de forma plena. É isso que temos que concluir ao pensarmos na morte. Porque sofrer com a finitude de nada resolverá nossa angústia, pelo contrário, nos fará perder os nossos preciosos dias de vida com lamúrias que não poderão ser solucionadas. É triste, mas é a vida.
ResponderExcluirE sim, a tragédia de Santa Maria foi algo que mexeu com todo mundo, especialmente com pessoas sensíveis, que têm o hábito de se colocar no lugar do outro. Eu mesma me entristeci bastante por todos os jovens que tiveram a vida abreviada pela tragédia. E sofri ao pensar na dor dos familiares e amigos das vítimas. É chocante. :(
Sacudindo Palavras