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sexta-feira, 21 de março de 2014

O Negro Bonifácio, a Cláudia e o César Passarinho.

A história do "Negro Bonifácio" é contada no livro "Contos Gauchescos e Lendas do Sul" escrito pelo Simões Lopes Neto. Nele se conta como um homem negro livre chamado "Bonifácio" se meteu, ou foi metido, em uma confusão danada com alguns rapazes da alta sociedade gaúcha por causa de uma moça. 

Segundo contou Simões Lopes Neto, depois de uma briga danada, o Bonifácio, em clara situação de desvantagem, não resiste e morre. Depois da morte dele se descobre que tudo isso se deu porque a Tudinha (moça branca e rica) se engraçou dele, viveu um romance com o rapaz, mas ele depois dos chamegos não a quis mais. A parte os méritos do conto e tudo e tal, o conto é marcado por certo racismo e  figura do Bonifácio é pra lá de massacrada. O negro é descrito como "um perdidaço pela cachaça", "pachola", "beiçudo", "ginetaço" e no final o narrador insatisfeito ainda questiona: "Até hoje me intriga isto: como uma morena, tão linda, entregou-se a um negro tão feio?... Seria de medo, por ele ser mau?... ".

Até ai tudo bem, mas lá pela década de 1980, uns certos senhores gaúchos, uns tais de Luiz Bastos, Antônio Augusto Ferreira e Mauro Ferreira, não sei por quais caminhos escusos, tiveram um encontro com o conto do "Negro Bonifácio" e desse encontro surgiu uma interpretação bastante original dessa história a qual eles transformaram em uma canção. Não por acaso o César Passarinho foi o interprete que eternizou essa história.



Eu sou absolutamente apaixonada pela interpretação que esses moços fizeram da canção, assim como sou apaixonada pela interpretação do Cesar Passarinho. Gosto da forma como eles lembram que na verdade a questão maior da história é que "Mataram o Bonifácio", não foi um acidente de percusso o que ocorreu no comercio de carreira, me entusiasmo quando eles lembram que mesmo em desvantagem "caiu o negro peleando³ para que a morte sotreta/ se espoje na carne preta, sem perguntar: até quando?/ Caiu o negro peleando.".

Bonifácio não era covarde, podia ser namorador, pouco dado a compromisso e na hora de dispensar uma mulher não pesava a fortuna dela... mas covarde e fujão não era. Ele até foi derrotado, mas o foi lutando e em nenhum momento deixou de ser protagonista de sua história... Os músicos reconhecem isso e endossam essa interpretação, valorizando a negritude.
"Em casos de valentia,
Há sempre um negro no flanco.
Bonifácio fosse branco
Nem história se teria." 
E não se furtam de completar a história contada na música denunciando os problemas raciais do Brasil no final do século XX:
"Bonifácio teus direitos permanecem obscuros
Enredados nos impuros caminhos dos preconceitos."
Hoje, lá pelo twitter, encontrei sem querer um site chamado Olga lá continha um texto chamado "100 vezes Cláudia" no qual estão expostos diferentes trabalhos sobre a Cláudia da Silva Ferreira que também foi assassinada de uma forma desleal.... A galeria de imagens exposta no Olga é emocionante, me toca profundamente. Cláudia é como minhas vizinhas, minha mãe [que também ajudou a criar os sobrinhos e ajuda a criar os filhos das vizinhas que trabalham em casa de família], é como eu. Ela éuma pessoa "peleando contra a morte sotreta".

É tão doloroso perceber como uma música da década de 1980 que fala sobre acontecimentos do fim do século XIX e inicio do século XX permanece atual no século XXI!!! Meu Deus, como os nossos direitos permanecem obscuros!!! Até respiro fundo para buscar coragem!!!

Enfim, o César Passarinho foi um cantor/interprete gaúcho extremamente louvado por suas interpretações emotivas. Ele ganhou diversos títulos e foi importante para a música tradicionalista gaúcha não deixar que a globalização roubasse qualquer coisa de fundamental daquele povo que vive abaixo dos Trópicos em um país conhecido por ser tropical.

Hoje, 21 de março, é a data do aniversário dele, ele faria 65 anos. Achei importante registrar isso de alguma forma. Acabei escrevendo demais, talvez bastasse um top 5 com as músicas dele que eu mais gosto.


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Pequeno vocabulário gauchesco:

Pachola: farsante, pedante. Pessoa duvidosa
Gínetaço: garboso
Peleando: lutando, brigando.
Sotreta: desprezível, tolo, covarde, vil, ruim, ordinário, velhaco, de pouco mérito.

sábado, 28 de setembro de 2013

Época das Crianças - Parte 1: Cosme e Damião

Era uma vez, há muitos séculos atrás em um lugar fértil e feliz do grande continente hoje conhecido como África dois irmãos muito sapecas, inteligentes e extremamente amados por seus pais e por todos os outros membros da aldeia como todas as crianças devem ser. Eles eram chamados de ibejis, por nasceram os dois juntos em uma noite estrelada da qual ninguém jamais esqueceu.

Em uma tarde de primavera, os dois irmãos decidiram tomar banho no rio próximo a sua aldeia. Pediram a sua mãe para lhes acompanhar, ela não pode pois muitos eram os seus afazeres; recorreram ao seu pai, ele também não pode assim como suas tias e até mesmo seus coleguinhas cujo sol diminuía muito o desejo de percorrer a distancia entre a aldeia e o rio correndo o risco de serem duramente advertidos por seus pais quando voltassem.

Contrariados com aquelas negativas os dois irmãos decidiram segui o caminho do rio sozinhos e assim fizeram. Com satisfação venceram aquele caminho e se deleitaram nas águas refrescantes do riacho brincando como só as crianças sabem e podem fazer até o momento no qual uma catástrofe ocorreu: um dos meninos se afogou.

O outro, imediatamente após o ocorrido mergulhou em busca de seu irmão, mas para seu desespero já era tarde demais... Seu irmão já habitava o corpo, sua alma partira rumo ao desconhecido, seu irmão morrerá e ele conheceu pela primeira vez em sua curta vida a terrível dor da solidão e em meio a agonia recém descoberta ele ergueu a sua voz e pediu a Ólorum piedade, que ele não lhe separasse de seu irmão.

Ólorum, do alto do Orum, via silenciosamente todos os acontecimentos experimentados pelos homens, mulheres e crianças no Aiê e resolveu atender ao pedido do menino. Imediatamente transformou os corpos das crianças em estatuas de madeiras enquanto a essência de ambos eternamente cristalizada em sua infância transformou em algo maior conhecido, festejado e amado até os dias de hoje por quem conhece e não conhece essas história.


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Essa história é toda baseada no Itan "Os Ibejis são transformados numa estatueta" contado no livro "Mitologia dos Orixás" do Reginaldo Prandi. Eu li no livro, mas vocês podem ler nesse LINK.

Escolhi conta-la pois não sei, porém suspeito ser a festa dos santos gêmeos "Cosme e Damião" esse grande acontecimento ligado a infância resultado direto da força cultural incrível dos homens e mulheres vindos da África. Reza a lenda que os Ibejis já no período colonial, foram no Brasil associados aos santos Cosme e Damião, médicos mortos por volta de 300 d.C.

Gente no ano 300 depois de Cristo nem pediatria tinha, para mim está claro que a gente só oferece doces a crianças nessa data por causa dos Ibejis. Se eu não me engano, faz parte do cerimonial dos cultos de matriz africana oferecer as divindades - orixás - comidas.

Acredita-se que em troca da comida as divindades oferecem aos homens o axé, a força da vida. Cada orixá tem sua comida especifica, a comida dos orixás crianças é doce, guloseima e claro, nas festas além das divindades as pessoas também comem. Pierre Verger em seu livro "Orixás" apresenta a hipótese do culto a essas divindades derivar do culto a ancestral primitivos, os quais anualmente recebiam ofertas de comida.

Bem, eu não sei até que ponto a hipótese do francês fofo se confirma hoje, mas acho muito legal essa ideia de seres humanos transformados em divindade através de traumas emocionais, amo os itans e se Cosme e Damião em outro lugar do mundo também for comemorada com doces me conta porque ai minha hipótese pode não ser tão acertada.

E essa é a primeira de uma série de 6 postagens sobre "criança e a infância" em comemoração do que a Aleska chamou de "época das crianças", o período de 27 de setembro a 12 de outubro... Pronto, mais uma ideia da Ideia da Aleska posta em prática.